São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2008

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Biografia relembra pioneiro editorial

Livro aborda José Olympio, que teve importante papel na cultura brasileira do século 20 ao lançar obras da nata da literatura

Conhecida como "Casa", editora de Olympio foi responsável por coleção de Gilberto Freyre e protegeu escritores censurados


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Em época de magos, IPOs (abertura de capital em bolsa), marketing viral e leilões milionários de best-sellers que nem sequer foram escritos, é um refresco o lançamento de "José Olympio: O Editor e Sua Casa", biografia de um dos pioneiros iluminados do mercado editorial brasileiro. Mais que a memória de J.O. (1902-1990), o livro que consumiu quase seis anos de trabalho do autor e também editor José Mario Pereira apresenta uma síntese da cultura brasileira no século 20, incluindo a nata da literatura nacional do início da década de 1930 até o final dos anos 80. No período em que o país se modernizou, J.O. tinha consciência de seu papel de formador. Ostentava no escritório, além de um mapa do Brasil, um quadro com a máxima de Monteiro Lobato, outro fundador da indústria editorial ("um país se faz com homens e livros"). Foi em São Paulo que J.O. começou. Em 1934, transferiu a casa recém-aberta para o Rio, na rua do Ouvidor, que virou "centro intelectual do Brasil", na capital da República. Já nos anos iniciais, J.O. conciliava opostos e costurava a rede de contatos e interesses que permitiram a ele construir uma editora de prestígio. Enquanto publicava Getúlio Vargas, tentava tirar Graciliano Ramos da cadeia. Ou então promovia a obra de outro esquerdista encrencado com o Estado Novo, Jorge Amado -que aliás trabalhou como vendedor da "Casa", como era chamada a empresa. Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Manuel Bandeira, José Cândido de Carvalho, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa são apenas alguns dos nomes abrigados na editora.

Cânones
E não foi apenas na ficção que J.O. imprimiu seu caráter "civilizador". Ele publicou obras que se tornaram cânones, como "Raízes do Brasil", o ensaio de Sérgio Buarque de Holanda que inaugurou em 1936 a prestigiosa coleção "Documentos Brasileiros". A série era dirigida por Gilberto Freyre, que assinou o prefácio do título inicial (a oitava impressão de "Raízes..." teve prefácio de Antonio Candido). A "Casa" também inovou com o acabamento de luxo em coleções que eram vendidas de porta em porta. E foi igualmente revolucionária ao inovar na apresentação gráfica, submetendo as edições ao tratamento cuidadoso de ilustradores como Santa Rosa, Poty (famoso pelas capas de Guimarães Rosa), Eugenio Hirsch e Gian Calvi. A refinada produção visual contou ainda com a pena de Anita Malfatti, Athos Bulcão, Portinari, Carybé, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Farnese de Andrade, Iberê Camargo e Oswaldo Goeldi, só para citar alguns. Para representar essa fortuna visual em edição fartamente ilustrada, José Mario Pereira reuniu o acervo original doado para a Biblioteca Nacional, mas também complementou a coleção com minuciosa pesquisa em sebos. O livro, que não esconde a admiração do autor por J.O., traz como bônus alguns apêndices saborosos, como texto do secretário Sebastião Macieira, que registra em linguagem protocolar a história da empresa. Ou então o depoimento de Wilson Martins, que narra o episódio da censura do Partido Comunista a "Memórias do Cárcere", publicado por J.O. com a subtração forçada de partes escritas por Graciliano Ramos. Há ainda o relato de Gilda Oswaldo Cruz, que era incumbida de receber "sem demora ou protocolo" qualquer desapadrinhado que se considerasse escritor e desejasse submeter originais. Ela relata o ocaso da editora (atualmente um selo do grupo Record), quando afundava em dívidas e passou a ser administrada por Geraldo Jordão Pereira, filho de José Olympio. Outra "avis rara" do mercado editorial, Pereira, que morreu este ano, foi o fundador nos anos 90 da Sextante, editora que publicou esta edição e é dirigida pelos netos de J.O., Marcos e Tomás Pereira.

JOSÉ OLYMPIO: O EDITOR E SUA CASA
Autor: José Mario Pereira
Editora: Sextante
Quanto: R$ 150 (424 págs.)
Exposição: livros, documentos e ilustrações que contam a história da editora estão em exposição até 23/8 na Biblioteca Nacional (Espaço Eliseu Visconti), r. México s/nº, fundos, Rio, tel. 0/xx/21/3095-3879; grátis



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