São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2000

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"PISA NA FULÔ..."
Livro tropeça em contextualizações nem sempre convincentes

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma das maiores instituições da música popular nordestina, o maranhense João do Vale (1934-96) ganha biografia de título quase maior que a memória em torno de seu nome, "Pisa na Fulô, Mas Não Maltrata o Carcará - Vida e Obra do Compositor João do Vale, o Poeta do Povo".
Escrito pelo economista e letrista carioca Marcio Paschoal, o livro tenta esclarecer no título quem é o motivo da biografia, autor de "Pisa na Fulô" e "Carcará" (que alçou Maria Bethânia ao estrelato, embora interpretada antes por Nara Leão) e "poeta do povo".
João Batista Vale foi parcamente alfabetizado, conta Paschoal -um episódio de expulsão da escola na infância, de acordo com a própria vítima motivado pelo fato de ele ser negro e pobre, nunca passaria por sua garganta.
Ainda assim, o ex-artista de circo, ex-motorista de caminhão, ex-pedreiro e ex-garimpeiro notabilizou-se pela poética primitivista que o colocou no nível de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Gordurinha e poucos outros.
De influência esparramada, João foi cantado por artistas tão diferentes quanto Tim Maia (que funkeou o forró de "Coroné Antônio Bento", em seu LP de estréia, de 70) e Caetano Veloso ("Na Asa do Vento", em 75).
O livro de Paschoal retrata a vida atribulada do artista aos trancos e barrancos, dividindo-se entre a verborragia de títulos longos de capítulos e a quantidade nem tão grande de informações.
Opta pela tarefa de contextualizar no cenário político cada passagem da vida de João (um artista político por excelência, afinal, que tanto erotizou o forró com Marinês e Sua Gente, no final dos anos 50, quanto co-inaugurou a canção de protesto dos 60 ao protagonizar o show "Opinião" com Zé Keti e Nara). Mas tropeça ao forçar a mão em contextualizações nem sempre convincentes.
Ao final, o máximo de "Pisa na Fulô..." é a descrição de episódio pouco conhecido na história política da MPB: como Caetano, Gil e Chico, João do Vale também foi exilado depois do AI-5.
Segundo a narração, foi preso pelo Dops, ficou incomunicável, sofreu ameaças de tortura e foi socorrido pelo então governador maranhense, José Sarney.
O episódio, ainda segundo Paschoal, terminou em exílio. Mas à diferença de Gil e Caetano, que foram para a Inglaterra, e de Chico, que optou por morar na Itália, João do Vale permaneceu em regime de prisão domiciliar em sua cidade de origem, Pedreiras, no interior do Maranhão.
De vôo limitado como artista de frente, João esteve no disco ao vivo "Opinião" (65), com Nara e Zé Keti, e fez um disco solo de protesto em 65. Depois, só teve mais uma oportunidade, num disco com convidados de 79.
Seguiu, após o AI-5, fazendo shows, compondo (mais de 400 canções, divulgava), vendendo músicas, sendo celebrado por Tom Jobim, Chico Buarque, Clara Nunes, Zé Ramalho, Fagner..., aderindo à campanha pelas Diretas, bebendo, fazendo campanha para Sarney, ficando doente.
Em 87, um derrame agravado por negligência médica deixou-o dois anos internado. Ficou daí em diante em muletas, nunca mais recuperou saúde nem carreira. Dois derradeiros derrames o levaram embora no final de 96, e assim terminou mais uma história brasileira, agora recontada.


Pisa na Fulô, Mas Não Maltrata o Carcará
  
Autor: Marcio Paschoal Editora: Lumiar Quanto: R$ 29 (295 págs.)




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