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"PISA NA FULÔ..."
Livro tropeça em contextualizações nem sempre convincentes
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das maiores instituições da música popular nordestina, o maranhense João do
Vale (1934-96) ganha biografia de
título quase maior que a memória
em torno de seu nome, "Pisa na
Fulô, Mas Não Maltrata o Carcará
- Vida e Obra do Compositor João
do Vale, o Poeta do Povo".
Escrito pelo economista e letrista carioca Marcio Paschoal, o livro
tenta esclarecer no título quem é o
motivo da biografia, autor de "Pisa na Fulô" e "Carcará" (que alçou
Maria Bethânia ao estrelato, embora interpretada antes por Nara
Leão) e "poeta do povo".
João Batista Vale foi parcamente alfabetizado, conta Paschoal
-um episódio de expulsão da escola na infância, de acordo com a
própria vítima motivado pelo fato
de ele ser negro e pobre, nunca
passaria por sua garganta.
Ainda assim, o ex-artista de circo, ex-motorista de caminhão, ex-pedreiro e ex-garimpeiro notabilizou-se pela poética primitivista
que o colocou no nível de Luiz
Gonzaga, Jackson do Pandeiro,
Gordurinha e poucos outros.
De influência esparramada,
João foi cantado por artistas tão
diferentes quanto Tim Maia (que
funkeou o forró de "Coroné Antônio Bento", em seu LP de estréia, de 70) e Caetano Veloso
("Na Asa do Vento", em 75).
O livro de Paschoal retrata a vida atribulada do artista aos trancos e barrancos, dividindo-se entre a verborragia de títulos longos
de capítulos e a quantidade nem
tão grande de informações.
Opta pela tarefa de contextualizar no cenário político cada passagem da vida de João (um artista
político por excelência, afinal, que
tanto erotizou o forró com Marinês e Sua Gente, no final dos anos
50, quanto co-inaugurou a canção
de protesto dos 60 ao protagonizar o show "Opinião" com Zé Keti
e Nara). Mas tropeça ao forçar a
mão em contextualizações nem
sempre convincentes.
Ao final, o máximo de "Pisa na
Fulô..." é a descrição de episódio
pouco conhecido na história política da MPB: como Caetano, Gil e
Chico, João do Vale também foi
exilado depois do AI-5.
Segundo a narração, foi preso
pelo Dops, ficou incomunicável,
sofreu ameaças de tortura e foi socorrido pelo então governador
maranhense, José Sarney.
O episódio, ainda segundo Paschoal, terminou em exílio. Mas à
diferença de Gil e Caetano, que foram para a Inglaterra, e de Chico,
que optou por morar na Itália,
João do Vale permaneceu em regime de prisão domiciliar em sua
cidade de origem, Pedreiras, no
interior do Maranhão.
De vôo limitado como artista de
frente, João esteve no disco ao vivo "Opinião" (65), com Nara e Zé
Keti, e fez um disco solo de protesto em 65. Depois, só teve mais
uma oportunidade, num disco
com convidados de 79.
Seguiu, após o AI-5, fazendo
shows, compondo (mais de 400
canções, divulgava), vendendo
músicas, sendo celebrado por
Tom Jobim, Chico Buarque, Clara
Nunes, Zé Ramalho, Fagner...,
aderindo à campanha pelas Diretas, bebendo, fazendo campanha
para Sarney, ficando doente.
Em 87, um derrame agravado
por negligência médica deixou-o
dois anos internado. Ficou daí em
diante em muletas, nunca mais
recuperou saúde nem carreira.
Dois derradeiros derrames o levaram embora no final de 96, e assim terminou mais uma história
brasileira, agora recontada.
Pisa na Fulô, Mas Não Maltrata
o Carcará
Autor: Marcio Paschoal
Editora: Lumiar
Quanto: R$ 29 (295 págs.)
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