São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 2005

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"DIÁRIO DE UM NOVO MUNDO"

Sem unidade, épico sulista funde drama de amor e ocupação açoriana

COLUNISTA DA FOLHA

Em meados do século 18, chegam ao Brasil meridional navios repletos de açorianos, mandados pelo rei de Portugal, dom José, para ocupar e colonizar a região, evitando que seja abocanhada pelos espanhóis.
É, em princípio, da saga desses pioneiros, numa paisagem bela e desconhecida, em meio aos conflitos bélicos entre lusos e castelhanos, que trata o longa-metragem "Diário de um Novo Mundo", co-produção Brasil/Portugal/Argentina/Uruguai dirigida por Paulo Nascimento.
Inspirado no romance histórico "Um Quarto de Légua em Quadro", do gaúcho Luís Antonio de Assis Brasil, o filme, entretanto, concentra seu foco numa história de amor, o romance proibido entre o médico brasileiro Gaspar de Fróes (Edson Celulari), que viveu nos Açores, onde perdeu sua primeira mulher, e Maria (Daniela Escobar), casada com o severo tenente português Covas (Rogério Samora).
A história é boa, o tema é interessantíssimo, a produção é caprichada e competente. O problema é que parece que essas três coisas não se integram para produzir uma narrativa cinematográfica forte e envolvente.
Dizendo de outro modo: o triângulo amoroso, o cenário e o fundo histórico se sobrepõem sem chegar a formar um todo orgânico, sem transportar o espectador, como pede o gênero, para a experiência vivida por aqueles personagens.
Várias coisas contribuem para essa dissociação: a construção um tanto convencional da trama amorosa (já vista, em suas linhas básicas, em incontáveis folhetins do cinema e da TV), o cuidado excessivo com a exuberância da paisagem e dos cenários, a música moderna, com suas rascantes guitarras elétricas.
Somem-se a isso algumas passagens de tempo mal esclarecidas e uma descrição um tanto confusa do espaço (nunca se sabe bem onde se está, onde estão os inimigos espanhóis etc.) e fica fácil perceber a dificuldade de o espectador "embarcar" na história.
Essa adesão, obviamente, não é um requisito obrigatório para obra nenhuma. Há filmes que se empenham deliberadamente em manter o espectador distanciado, mas não parece ter sido essa a intenção neste caso.
De todo modo, se cabe lamentar o fato de "Diário de um Novo Mundo" não realizar plenamente suas possibilidades, é preciso reconhecer e louvar seus aspectos felizes. Em primeiro lugar, o mérito de trazer à luz um episódio singular da história brasileira: a ocupação açoriana em várias regiões de Santa Catarina (sobretudo no litoral) e do Rio Grande do Sul.
Há, ainda, a beleza da história em si, em particular a ambigüidade do protagonista Gaspar de Fróes, sempre vivendo na fronteira entre dois mundos, duas condutas, duas lealdades distintas, e o sacrifício extremo de Maria pelo amante.
Outro valor positivo que independe das restrições acima mencionadas -mas, pensando bem, talvez ajude a causá-las- é o cuidado da produção, com uma composição apurada da imagem, baseada em "storyboards" detalhados e no trabalho de uma equipe competente.
Com erros e acertos, o épico sulista vai se consolidando como um gênero próprio no cinema brasileiro atual. Há quem torça o nariz para o conjunto dessa produção, que inclui títulos díspares como "Anahy de las Misiones", "Netto Perde Sua Alma" e "O Preço da Paz".
Mas o fato é que o gênero, que deve muito a escritores como Assis Brasil e Tabajara Ruas (herdeiros, de certa forma, de Erico Verissimo), parece corresponder de modo genuíno a um temperamento ainda muito arraigado na região, convivendo mais ou menos pacificamente com a modernidade urbana de Jorge Furtado, Carlos Gerbase e Gustavo Spolidoro. Na tela grande tem espaço para todos. (JOSÉ GERALDO COUTO)

Diário de um Novo Mundo
  
Direção: Paulo Nascimento
Produção: Brasil, 2004
Com: Edson Celulari, Daniela Escobar, Marcos Paulo
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex, Pátio Higienópolis e Reserva Cultural


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