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CONTARDO CALLIGARIS
A vida faz sentido? A) Muito B) Nenhum C) Um pouco
Escolha uma resposta. Provavelmente, se você quiser
deixar uma boa impressão, marcará a primeira opção. Com razão, pois, ao que dizem, o sentido
nos faz bem e a falta de sentido
nos deprime e angustia.
Mitch Albom é o autor de um
best-seller de auto-ajuda que foi
traduzido em 30 línguas e, de
1997 a 2001, ficou no primeiro lugar da lista dos livros mais vendidos nos EUA: "Tuesdays with
Morrie" (publicado em português
como "A Última Grande Conversa").
Ele acaba de publicar um novo
livro que também se instalou no
primeiro lugar dos mais vendidos
nos EUA: "The Five People You
Meet in Heaven" (as cinco pessoas que você encontra no Paraíso). É a história de Eddie, empregado da manutenção de um parque de diversões, que, aos 83 anos,
morre num acidente e descobre
que o primeiro estágio do Paraíso
consiste em encontrar cinco pessoas que, de perto ou de longe, foram parte de sua vida. Diz a primeira: "Cada um de nós esteve na
sua vida por uma razão. Na época, você podia não conhecer essa
razão, e, por isso existe o Paraíso,
para compreender sua vida na
Terra". "É o maior presente que
Deus pode lhe oferecer: entender o
que aconteceu em sua vida, ter
uma explicação. É a paz que você
estava procurando." A recompensa por nossas atribulações será
descobrir que elas faziam sentido,
pois nada aconteceu por acaso,
nenhum gesto foi à toa.
Em suma, não só sobreviveremos a nossa morte (o que já é
bom), mas nossas vidas, por fajutas que sejam, são necessárias no
grande esquema do mundo. Portanto, se você está resfriado e de
cama, não é o caso de maldizer
sua sorte; de fato, os vírus que infestam seu nariz foram desviados
até lá para poupar a vida de uma
criança carente e desnutrida que
teria sucumbido ao ataque. Vamos ver quem explica por que um
relâmpago, no domingo passado,
logo em Bikoro, no Congo, matou
11 crianças e deixou 25 em coma.
Peço desculpa; é fácil ironizar.
Na verdade, tenho simpatia pelo
pequeno livro de Albom. Ele trará
a milhões de pessoas um instante
de sossego: a sensação de que seu
esforço de viver não é fútil e de
que o descaso do mundo para
com suas existências é apenas
aparente. Pois seríamos todos, de
alguma forma, necessários aos
olhos de uma razão superior: nenhuma vida, por miserável ou
triste que seja, é desperdiçada.
Eddie, por exemplo, pensava assim: "Eu não era nada. Não consegui nada. Estava perdido". No
encontro final, ele descobre que
seu percurso de derrotas e renúncias obedecia a um desenho secreto que lhe é, enfim, revelado.
Em 1933, Arthur O. Lovejoy
fundou a história das idéias com
uma série de palestras proferidas
em Harvard e publicadas sob o título "The Great Chain of Being: A
Study in the History of an Idea"
(A grande cadeia do ser: um estudo na história de uma idéia). Lovejoy reconstruía, de Platão ao
romantismo, as vicissitudes do sonho humano de completude e
continuidade, ou seja, de uma ordem racional em que nada seria
arbitrário, casual ou contingente,
de um mundo em que a questão
do "porquê" seria legítima e sempre encontraria, mais cedo ou
mais tarde, uma resposta satisfatória.
Ele reconhecia que a fé numa
racionalidade do mundo permitiu o nascimento da ciência, mas
acrescentava que esse sonho
grandioso esbarra numa dificuldade. Por mais que acreditemos
que alguma razão governa o
mundo, resta que esta história teve um começo: o Big Bang ou a
decisão divina de criar, por serem
obras do acaso ou da liberdade do
criador, escapam à razão que explicaria o Universo.
Do mesmo jeito, podemos aceitar a perspectiva de morrermos
um dia, pois nossa morte não é
incompatível com a idéia de que
tudo tenha sentido. Aqui Ablom
ajuda. Mas, em regra, achamos
intolerável pensar que, como prometem os astrônomos, daqui a alguns bilhões de anos, o Universo
acabará. Dar sentido a uma vida
que termina é possível. Dar sentido ao fim de toda vida já é outra
história.
Seja como for, o livro de Albom
integra a nobre tradição descrita
por Lovejoy. Desde Platão acreditamos que, como é dito a Eddie,
uma explicação nos dará a paz
que estamos procurando. Dar
sentido ao mundo e à nossa existência seria, em suma, a condição
de uma tranquila e boa saúde
mental.
Pequeno problema: depois de
quase 30 anos de prática clínica,
ainda não sei direito se o que produz mais estragos numa vida é a
falta ou o excesso de sentido. O
que é pior, por exemplo? A convicção de que nossos atos de hoje
confirmam inevitavelmente nosso passado, a ponto de configurar
um destino, ou a sensação de sermos apenas um encontro fortuito
de células, palavras e paixões?
O verdadeiro drama é que permanecemos na alternativa entre
uma leveza intolerável e a procura de um sentido global. Como se
os gestos e as escolhas de cada dia
nunca se justificassem por virtude
própria. Como se o sentido não
pudesse ser uma invenção limitada, pontual e modesta. Como se
apostar numa ordem do mundo
fosse mais fácil que acreditar,
simplesmente, no que a gente faz.
ccalligari@uol.com.br
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