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LIVROS/LANÇAMENTOS
Jorge Cardoso, João Filho e Nilo Oliveira estréiam com obras agressivas e de temática bizarra
Autores oferecem remédio e veneno num mesmo gole
LUCIANA ARAUJO
DA REDAÇÃO
Remédio e veneno num mesmo
gole. Assim, como o "phármakon" de Platão, a narrativa tarja
preta e sem bula dos novos autores Jorge Cardoso, João Filho e Nilo Oliveira parece conter ao mesmo tempo o "bem" - uma anunciada contribuição singular à prosa brasileira- e o "mal" -uma
temática doentia, retrato do dilacerado e do grotesco. Efeito colateral: estréias de impacto.
Lançados neste ano pela editora
Baleia, que acaba de completar
um ano, "Mal pela Raiz" (121
págs.; R$ 25), livro de contos de
Jorge Cardoso, "Encarniçado"
(148 págs.; R$ 25), novela de João
Filho, e "Pornografia Pessoal" (111
págs.; R$ 25), também de contos,
de Nilo Oliveira, foram publicados "pelo risco que, cada um a seu
modo, pode representar", segundo o editor Nelson Provazi, 27.
"Escolhi publicar o Jorge porque ele corria o risco de não ser
visto como escritor. Na seqüência,
veio o João, que se arrisca na linguagem ao desafiar o leitor a cada
linha. Agora, o Nilo, que deixa dúvida se aquilo que ele conta é pessoal ou não", diz Provazi, numa
análise de sua seleção, que tem sido recebida com muito entusiasmo por outros autores.
Visões do fim do mundo
"A prosa desses três é demolidora", afirma o escritor Nelson de
Oliveira. Bastante criticado pelas
tentativas de mapear uma certa
geração 90 e já cansado do assunto, ele evita rotular os estreantes,
mas identifica no trabalho do trio
"um fio que os reúne e amarra: o
bizarro".
"A conformação urbana das
narrativas desses três cavaleiros
do Apocalipse já não é suficiente
para caracterizá-los. Hoje o embate literário se dá entre o modo
bizarro e o modo lírico de enxergar a realidade", avalia Oliveira.
Que realidade? Do outro lado da
linha, no norte da Suécia, em entrevista à Folha, o carioca Jorge
Cardoso, 32, avisa: "Não se assuste se começar a ouvir um barulho
estranho", pois sua vizinha, uma
velhinha de 70 anos, costuma bater com a cabeça na parede até
desmaiar. "Por aqui a solidão é
muito bem tratada. Os velhinhos
são abandonados. A correspondência começa a acumular... Até
que alguém abre a porta e encontra uma caveira", exemplifica.
Cardoso deixou a faculdade de
filosofia e o Brasil em 94. "Um dia
fui tomado pela certeza de que iria
morrer. Não queria morrer perto
dos meus pais, então parti", conta
sobre sua viagem ao Marrocos,
seguida de outras a países como
os Estados Unidos e a Islândia.
Agora, na pequena Umeä, próxima à Lapônia, onde mora há cinco anos e passa semana sim, semana não ao lado de seu filho
Noah (Noé), de quatro anos, ele
diz começar a perceber a importância de criar raízes. "Mas não sei
para onde vou. Agora eu sou um
bicho na arca dele."
"Vigia do inferno", assim Cardoso define sua função no hospício de Norrlands Universitetssjukhusem, onde trabalha no turno
da noite desde julho do ano passado. "Eu fico no quarto de um maluco e preciso controlar a cabeça
dele. No meu primeiro dia de trabalho um menino queria se jogar
pela janela. Não dormi à noite.
Depois me habituei..."
Apesar de uma vida repleta de
episódios que dariam um livro,
diz não buscar nessa realidade o
conteúdo de sua arte. Segundo
Cardoso, seus textos abarcam tudo o que um dia o amedrontou e
agora é gerador de um certo prazer. "Procuro cheirar o medo, torná-lo físico, porque é através dele
que o homem encontra Deus."
Católico, o escritor diz que sua
literatura tem grande débito com
a Bíblia. "Um dia minha mãe me
disse: "Este livro salva"." Tudo isso
pode parecer contraditório (e até
é), numa primeira leitura dos
contos do autor, que transbordam crimes e são libertos de qualquer trava moral. No entanto, há
na argumentação do escritor um
discurso muito mais literário do
que religioso. Como se esse livro
que salva fosse a própria literatura, e ele, um personagem de si.
"Acredito que Deus cresce com
a gente. No Velho Testamento,
Ele estava na adolescência, por isso toda aquela ira. Assim é "Mal
pela Raiz". Depois vem a mensagem de Jesus, no Novo Testamento. Pretendo escrever um livro só
sobre o amor."
Se de um lado todas essas histórias fazem com que alguns duvidem da existência do escritor, por
outro têm efeitos literários. "Jorge
Cardoso tem, como outros escritores que admiro -Bukowksi,
Henry Miller e Hemingway-,
uma mitologia pessoal bastante
fascinante", destaca o dramaturgo Mário Bortolotto. "Seus textos
parecem roteiros cinematográficos, que Abel Ferrara adoraria filmar, se os conhecesse. São recheados com suas obsessões religiosas e seu jeito cru e, ao mesmo
tempo, por incrível que possa parecer, terno, de ver o mundo. "Mal
pela Raiz" é um clássico. Já nasceu
assim", opina Bortolotto.
O avesso do outro
O baiano de Bom Jesus da Lapa
João Filho, 29, ao contrário de
Cardoso, pouco saiu de sua terra.
Morou por pouco tempo em Salvador e em Recife. Também não
tem religião e não cursa faculdade. É autodidata.
As histórias e os personagens
reais da cidade do autor são virados ao avesso em "Encarniçado".
"É como se diz: "Onde a fé se instala, a devassidão campeia'", brinca
Filho. Segundo ele, sua novela é
praticamente toda baseada em fatos e pessoas reais.
O personagem central que atravessa a narrativa matando personagens vaga por ali. "Convivi com
todas essas figuras ou estive muito perto delas." Mas não se engane. "Encarniçado" possui um caráter autobiográfico, mas isso pode passar despercebido, tamanha
ficcionalização da linguagem e
dos efeitos visual e musical.
"A escrita do João é endemoniada", define o escritor Sérgio Sant'Anna. "É muito agressiva, além
do design novo que possui sua
linguagem. O texto revela o quanto ele leu e não está acomodado
diante da língua", conclui.
Para o escritor Sebastião Nunes,
o autor é uma "mistura de marquês de Sade com Guimarães Rosa, mas não é. É algo paralelo a isso, muito original. É fácil definir
uma obra quando há uma referência óbvia. Sem dúvida este não
é o caso de "Encarniçado'", diz.
Escrita em eixo
Nilo Oliveira, 32, gaúcho, que
mora em Florianópolis e lançou
na última quarta seu livro "Pornografia Pessoal", em São Paulo,
dá aulas de psicologia forense.
Mas diz ter abandonado a psicanálise para ser escritor. "A psicologia só me mostrou o que eu não
queria ser. A literatura me dá a
possibilidade de me inserir no
mundo", destaca.
O encontro com o escritor Marcelo Mirisola foi o incentivo que
faltava para Nilo Oliveira mergulhar de cabeça na literatura. "Conheci o Nilo num congresso de
psicanálise. Eu estava lá para vender o livro "Fátima Fez os Pés". Um
amigo do Nilo comprou um. Depois saímos para beber", conta
Mirisola, que desde então manteve contato e é o autor do prefácio
do livro do colega estreante.
Enquanto João Filho se apega à
realidade para criar, Nilo Oliveira
a nega. "Se sou da classe média,
vou buscar a pobreza nos textos."
Outro objetivo é provocar angústia. "O texto precisa fazer o leitor
produzir, precisa tirá-lo do chão
ou, como faz Dostoiévski, enterrá-lo num chão de palavras", conclui o escritor gaúcho.
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