São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005

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CRÍTICA

TV paga faz falsa promessa de distração

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Noite de insônia, TV ligada. Quem foi que disse algo do tipo "há 57 canais, e nada está passando"? Ah, isso mesmo, Bruce Springsteen, roqueiro patriota, orgulhoso de ter nascido nos Estados Unidos e de ser americano a ponto de ser reacionário, mas também um crítico precoce da TV a cabo: "Os caras vieram e instalaram minha TV a cabo/ a gente se acomodou para a noite, eu e minha garota/ nós ficamos rodando, de cima para baixo/ 57 canais e nada está passando" (tradução livre da letra de "57 Channels and Nothing's On", de 1992).
Poucas coisas são mais frustrantes no reino dos hábitos televisivos do que a falsa promessa de distração da TV paga. Você se instala diante da TV, controle remoto na mão, e começa a pular de um seriado já visto três vezes para um filme cretino já começado e que estava passando no mesmo horário três dias atrás e aterrissa num documentário desinteressante e por aí vai. Nada para ver, de fato.
Sobretudo nessa época de entressafra de seriados, a maioria das temporadas 2004/2005 já acabou, a maioria das novas só começa em novembro; algumas das mais aguardadas ainda mais tarde -"Desperate Housewives" em dezembro; "Lost" em março de 2006-, e, nesse meio tempo, sobram apenas as maratonas e as reprises.
Não dá para entender muito sobre a lógica que rege a grade de programação dos principais canais que exibem as séries norte-americanas, exceto que a inércia parece ser a tônica. Quer dizer, além de adaptar de qualquer jeito o calendário dos Estados Unidos -que se concentra entre setembro e maio, ou seja, pouco antes do outono e pouco depois da primavera, compreendendo outono e inverno-, que pouco tem a ver com os hábitos de assistir à televisão do Brasil (justamente nos meses mais frios daqui, há menos novidades e estréias), parece haver pouco ou nenhum esforço de dinamizar a grade.
Por exemplo, por que se insiste no hábito irritante de reservar um horário fixo para reprisar um seriado -agora é "The West Wing", na Warner; meses atrás a Sony exibia às vezes três episódios seguidos dos vários "CSI" no mesmo dia- e se mantém isso por meses a fio?
Se esse abuso da paciência do espectador acontece em pleno horário nobre, na alta madrugada é ainda mais chato. Ali é mesmo o lugar do lixão. O que dizer, por exemplo, da cadeira cativa que dois seriados que já eram chatos à época em que passaram como "Step by Step" ou "Home Improvement" nas madrugadas da Warner e da Sony?
Ou então, se o jeito é mesmo repetir, por que é que não se reserva esse horário dos insones a alguma espécie de arqueologia minimamente organizada da memória das séries? Tudo bem que parte do hábito da TV se funda na idéia de distração, mas isso deveria ser privilégio do espectador, não da programação.


@ - biabramo.tv@uol.com.br


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