São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
24ª edição do evento relaciona história da arte e arte contemporânea e junta Van Gogh com Cildo Meireles
Bienal elimina territórios narcisísticos

A sul-africana Candice Breitz e detalhe de seu trabalho na Bienal CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local


A Ilustrada publica hoje a terceira parte de entrevista com Paulo Herkenhoff, o curador da 24ª Bienal, que se baseia em noções de canibalismo e antropofagia.
Herkenhoff discute aqui a adequação dos países ao tema da Bienal, como funciona seu conceito de "contaminação" e a antropofagia de Hélio Oiticica.

Folha - As representações nacionais se adequaram ao seu projeto curatorial para a Bienal?
Paulo Herkenhoff -
A noção de sala como fronteira nacional foi evitada. A cada curador foi pedido que trabalhasse com a noção de "presenças" que estabelecessem diálogos com outros artistas e se articulassem com o público.
Não estamos trabalhando com a noção de território. Não há territórios nacionais ou narcisísticos.
Buscamos noções de transparência, que permitissem diálogos e que enriquecessem e ampliassem as possibilidades de percursos.
A idéia das representações nacionais é complexa na Bienal pois pertence ao modelo original do evento e se repete desde 1951.
Esse sistema possibilitou a presença ampla da arte dos países, principalmente quando eram mostras coletivas e não representações individuais. O desafio hoje, porém, é diferente. A Bienal de São Paulo é a única que segue esse modelo, que pertence à bienal de Veneza. Mas a representação nacional ainda é um símbolo importante do evento, que precisa ser discutido para ser alterado.
Decidimos então mantê-lo, mas com uma outra experimentação. Acho que é um espaço precioso demais para ficar reduzido a questões formalistas, como a representação de um país.
A idéia foi então mantê-la, mas não estimular seu inchamento, e sim estimular um diálogo. Veja o caso da América Central e Caribe, em que escolhemos uma curadora para definir as representações.
A região representa um quarto das representações nacionais e nesse conjunto temos os maiores casos de irregularidade conceitual. Com uma voz que representa a região foi possível extrair um corte da arte da América Central e Caribe que reinterpretasse a questão colocada pela Bienal.
Este ano foi possível discutir com muitos países o que seria uma aproximação mais adequada ao tema. Mas isso não quer dizer que não existam mais aqueles países que trabalham de maneira burocrática, com comitês, e que não estão nada interessados na Bienal.
Folha - Como funciona o seu conceito de "contaminação"?
Herkenhoff -
A contaminação significa provar que arte e história se imbricam, que é preciso reiterar a presença do contemporâneo nas salas históricas, que tinham um estatuto especial. Essas salas discutem questões de história, mas não são superiores.
A contaminação significa falar da presença da arte brasileira, que pode ser uma antecipação. Eu acho que Lygia Clark antecede Eva Hesse em termos de ruptura da linguagem e uso de materiais. Pode ser também a apropriação de uma questão plástica, como é o caso do monocromo.
A contaminação busca vários critérios: demonstrar paralelismos, diferenças, precedências ou mesmo como tomamos o fundo comum da cultura para construir a nossa própria voz.
Os metros de Cildo Meireles, por exemplo, são de marceneiro, preto e amarelo, mas têm os números fora do lugar, pois o espaço não pode mais ser medido. Eles apontam para a desmedida que é o espaço em Van Gogh, onde nada tem estabilidade. A gente sabe que esse trabalho com metros é uma homenagem a um dos últimos quadros de Van Gogh, que é "Os Corvos no Trigal", em que o ouro do trigal é pincelado pelo preto dos corvos.
Folha - Como Hélio Oiticica se insere no discurso antropofágico?
Herkenhoff -
Ele se insere de múltiplas formas. A primeira é no projeto de autonomia cultural das linguagens da cultura do país, no qual a antropofagia é um capítulo brilhante e o neoconcretismo é outro.
O próprio Oiticica se intitula antropofágico e discute sua obra em uma perspectiva da antropofagia, de uma sensorialidade que é transcultural. Ele fala da relação com a música, com o negro, com o índio. Ele declara que "Tropicália" é uma obra extrema da antropofagia. Ele compreende que ela é antropofágica como operação transcultural, como relação com a cultura do país.
Oiticica está ainda na sala Monocromo. "Cara de Cavalo" é um bólide, mas também é um monocromo, pois o fundamental é o saco de pigmento cor de carne, que simboliza um indivíduo que foi triturado pela estrutura social. Ele faz apropriações da história da arte.
Folha - A Bienal trabalha com a body art como antropofagia?
Herkenhoff -
A Bienal procurou evitar uma interpretação excessivamente fragmentada do corpo mediado, como nos artistas da body art. Se pegássemos o corpo fragmentado, com cortes, teríamos um universo muito grande. Evidentemente isso faz parte da discussão, mas preferimos trabalhar com uma oposição.
O Dennis Oppenheim, por exemplo, seria um antídoto a essa pulsão autodestrutiva, comum nos artistas das décadas de 60 e 70. Ele cria um simulacro que vai fazer as performances em seu lugar.
Em "Uma Tentativa de Levantar o Inferno", aquele boneco é um auto-retrato que vai atuar por ele.
Preocupou-me muito criar uma mostra que não fosse apenas um leque de interpretações e nem ilustrar as idéias de canibalismo, mas apresentar algumas elaborações sobre o tema, como na sala Monocromos, que fala da construção de uma autonomia da linguagem.
²

Evento: 24ª Bienal de Arte de São Paulo Onde: Pavilhão da Bienal (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº). Entrada pelos portões 3 e 4 do parque Ibirapuera
Quando: de terça a sexta, das 9h às 13h (público escolar, com agendamento pelo tel. 0800-11-1951) e das 13h às 21h (público em geral). Sábados e domingos, das 10h às 22h (público em geral) Quanto: de terça a sexta, R$ 10. Sábados e domingos, R$ 10 (das 10h às 13h) e R$ 16 (das 13h às 22h). Esses ingressos dão direito à permanência por tempo indeterminado no pavilhão e por uma hora no espaço climatizado do terceiro andar. Existe ainda o ingresso especial de R$ 30, que permite o acesso ao espaço climatizado em qualquer horário (exceto aqueles reservados para escolas). Meia entrada para estudantes com carteirinha, maiores de 65 anos e comerciários com carteirinha do Sesc e crianças entre 6 e 12 anos (com os pais ou responsáveis). Entrada franca para menores de seis anos

Televendas: os ingressos podem ser comprados pelo tel. 0800-11-1951, sendo entregues no local solicitado

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