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ARTES PLÁSTICAS
Mark Rothko exibe sua herança trágica e radiante
AMIR LABAKI
de Nova York
Uma popular camiseta nova-iorquina, dessas vendidas em museus, é a última prova do crescente
reconhecimento da obra do pintor
abstrato americano Mark Rothko
(1903-1970). O desenho resume a
história da arte em nove etapas, representadas por rascunhos simples da essência da pintura de nove
artistas. Sumarizado por uma tela
formada por dois retângulos desiguais, olhinhos no de cima, sorriso
no de baixo, Rothko é um deles.
O Whitney Museum of American Art celebra o legado de Rothko
até o dia 29 de novembro. Reunindo mais de cem de seus principais
quadros, a exposição veio da National Gallery de Washington, organizadora da mostra, e parte em
seguida para o Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris. É a mais
completa retrospectiva de Rothko
desde a sediada pelo Guggenheim
nova-iorquino há duas décadas.
Nada como o tempo para dar a
tudo sua devida dimensão. A mostra anterior estava próxima demais
do suicídio do artista, da interpretação messiânica de sua obra emprestada por ele aos críticos, da
querela então vigente em torno de
seu espólio.
Vinte anos se passaram e a obra
de Rothko parece viçosa como
nunca. Excetuados Jackson Pollock (1912-1956) e Barnett Newman (1905-1970), não se pode estender o cumprimento automaticamente aos demais membros da
Escola de Nova York, o grupo de
pintores que abraçou a abstração
nos anos 40 apostando ser possível
tratar de assuntos essenciais sem
depender apenas da figuração.
Rothko passou no teste ao expressar todos os sentimentos do
mundo por meio das inúmeras variantes de sua pintura típica: dois
ou mais retângulos horizontalmente paralelos suspensos em
frente de um fundo monocromático distinto. A exposição curada
por Jeffrey Weiss mostra didaticamente o processo pelo qual Rothko, um pobre exilado russo que se
fez pintor às vésperas da depressão
pós-1929, chegou a essa composição.
A primeira sala, dedicada ao
Rothko figurativo dos anos 30, é
especialmente reveladora. Muito
mais importante que o inseguro
esboço de ruas e metrôs de Nova
York é a presença precoce da composição geométrica de um futuro
Rothko típico.
Na década seguinte, resumida
em duas salas, Rothko flerta com o
surrealismo de Tanguy e Miró e
com o abstracionismo de Avery,
em fases que raramente se aproximam da composição que se tornaria clássica. Seguem-se, entre 1947
e 1949, as chamadas "multiformas", estudos abstratos com crescente preocupação com cor e escala.
Precisamente 1949 data o aparecimento daquele esquemático
Rothko essencial. Durante os 15
anos seguintes, o pintor vai submeter esse modelo a radicais mudanças, sobretudo de cor e da dimensão da tela.
Primeiro, a cor. Rothko nos hipnotiza exatamente pela intensidade de suas cores. Destacam-se em
sua paleta a profundidade de seus
azuis, a gravidade de seus vermelhos e a fulgurante luminosidade
dos laranjas e amarelos. Há algo de
essencialmente primaveril nesse
Rothko maduro, o que, para desespero dos reducionistas biográficos, se choca com a torturada personalidade do artista.
O tamanho foi a segunda grande
variável. Rothko aumentou progressivamente a dimensão de suas
telas. Queria que o quadro envolvesse seu visitante, sendo a um só
tempo "grandioso" e "íntimo".
Buscava Rothko uma espécie de
comunhão espiritual entre o artista e o espectador, entre sua arte e
nosso ego, algo similar ao "sentimento oceânico" que Freud define
como fundamental para a religiosidade. O sublime seria uma espécie de passaporte para este estágio
superior de interação.
Não surpreende, assim, que na
década final de sua carreira Rothko tenha feito sua arte extravasar
os limites da tela e enfrentar a dimensão de murais. O mais acabado exemplo é a chamada capela
Rothko, localizada no Universidade de St. Thomas, em Houston, Texas. A exposição traz algumas
obras contemporâneas de Rothko
(1964-67) que dão uma pálida idéia
do impacto daquela que, para ele,
foi sua obra máxima.
O tom já é aqui absolutamente
outro. Foi-se a luz, impondo-se
um registro muito mais sombrio.
O marrom substituiu o vermelho,
o preto destronou o amarelo, o
azul converteu-se em cinza. As diferenças de profundidade tornavam-se também muito mais difusas. Se antes a sensação era de expansão, agora é de enclausuramento. Rothko realizava como que
uma versão em curto-circuito de
seu próprio modelo.
Combalido física e psicologicamente, nos dois anos finais de vida
Rothko ainda vai exibir forças em
novas tentativas de reinventar-se.
Duas composições básicas foram
retrabalhadas, tendo em comum
inéditas margens brancas.
Na primeira, cores escuras, preto
e marrom principalmente, dividem a tela ao meio. Tons suaves de
rosa e azul, na segunda, compõem
retângulos de distintos tamanhos.
Parecem obras de uma transição
-abrupta, mas não surpreendente- interrompida pelo suicídio do
pintor. Nenhuma rouba-nos o fôlego, como qualquer tela do período áureo fazia. Aqueles são quadros de uma beleza marcante e arrebatadora. A vida de Rothko pode
ter sido trágica, mas sua herança
não poderia ser mais radiante.
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