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FREE JAZZ - RIO
Kraftwerk continua em busca do futuro
PATRICIA DECIA
enviada especial ao Rio
A "Elektronikevolksmusik" está
no Brasil. E subirá hoje, no Rio, ao
palco do Free Jazz (pela primeira
vez ao vivo na América Latina),
personificada nos homens-máquina do Kraftwerk, ao mesmo tempo
seus criadores e criaturas.
A expressão em alemão é emblemática. Para boa parte do público
brasileiro, causa estranheza muito
semelhante à provocada pelo tecno. No entanto, revela o conceito
de música popular eletrônica, "a
nova música, linguagem universal
deste e do próximo século".
Quem assim a qualifica é Ralf
Hutter, um de seus genitores, há 30
anos, parte da primeira geração de
uma Alemanha pós-guerra devastada culturalmente. E sua banda
Kraftwerk -uma das maiores influências da música contemporânea no mundo- continua ainda
em busca do futuro.
É "visionário" o adjetivo que ele
aceita para falar de seu próximo álbum -que deve ser lançado em
99, após um hiato de mais de uma
década-, durante entrevista concedida à Folha, anteontem, no Rio.
Folha - O Kraftwerk se considera
mais do que um grupo pop?
Ralf Hutter - Sim. Somos operários musicais. Inventamos a semana de 168 horas, não há separação
entre trabalho e tempo livre. Há
tantas coisas a fazer: música, programar computadores, imagens,
filmes, letras, palavras, discurso,
entrevistas, viagens, esportes.
Folha - O que mais o interessa?
Hutter - A vida cotidiana.
Folha - Na Alemanha?
Hutter - Sim, só podemos falar do
nosso dia-a-dia, ou seja, predominantemente o contexto industrial
alemão em Dusseldorf, Colônia.
Mas também estamos perto da
fronteira, área pan-européia.
Folha - Nesse momento a Alemanha passa por mudanças políticas.
Hutter - Sim, mas isso é só administração. Acho que não tem nada
a ver com arte, música ou pensamento. Quem se importa com o
governo? Não acho que burocratas
podem influenciar a cultura.
Folha - E quem pode?
Hutter - Bem, as pessoas fazem
cultura, os cineastas, os escritores,
os matemáticos, os cientistas, os
artistas. Essas são pessoas interessantes, não os burocratas.
Folha - E o cotidiano?
Hutter - As invenções influenciam a vida cotidiana, como o gravador, a câmera digital, o sintetizador. Há cem anos, para criar um
grande som, era preciso uma centena de pessoas, então era necessário um rei ou um rico empreendedor industrial. Hoje, com um computador e caixas de som, há todo
um novo princípio de criação autônoma, que transforma os governos e a burocracia em redundantes. E com a Internet e outros canais de comunicação, há diferentes
autonomias de discurso.
Folha - O que acha do "faça-você-mesmo" com os computadores na
música? E do resultado?
Hutter - É como havíamos previsto nos anos 70. Éramos a primeira geração do pós-guerra na
Alemanha, quando não apenas as
casas foram bombardeadas, mas
havia uma desorientação na cultura alemã. Mas foi uma grande
oportunidade, porque começamos
do zero, não havia tradição contínua. Tínhamos essa idéia de criar a
"Elektronikevolksmusik", como o
"Volkswagen" (carro popular).
Agora está em todo lugar, no
mainstream. Aconteceu.
Folha - Em 1977, você disse que
"todo mundo busca o transe na vida, e as máquinas produzem um
transe absolutamente perfeito".
Continua achando?
Hutter - Sim. Nós tocamos as máquinas e algumas vezes elas nos tocam, é um diálogo. Kraftwerk é o
homem-máquina ("man-machine"). Algumas pessoas atingem o
transe com a exaustão física, tomando drogas ou 20 xícaras de café. Nós o fazemos pela música.
Folha - Há uma hierarquia na música eletrônica?
Hutter - Não. Algumas vezes, na
música, o fator humano é superestimado. E com Kraftwerk nós levamos o fator mecânico ao mesmo
nível, à igualdade. Se você trata
suas máquinas musicais da mesma
forma que seus amigos ou a si mesmo, achará um feedback positivo.
Folha - Primeiro foi o mecânico, o
carro, o trem (nos álbuns "Autobahn" e "Trans-Europe Express"),
depois o computador (em "Computer World"), agora há a Internet. A
música antecipa esses estágios ou
os retrata?
Hutter - Algumas vezes ela é simultânea, mas a música pode ser
muito visionária.
Folha - O que é visionário hoje?
Hutter - Nosso próximo disco.
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