São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

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FREE JAZZ - RIO
Kraftwerk continua em busca do futuro

PATRICIA DECIA
enviada especial ao Rio

A "Elektronikevolksmusik" está no Brasil. E subirá hoje, no Rio, ao palco do Free Jazz (pela primeira vez ao vivo na América Latina), personificada nos homens-máquina do Kraftwerk, ao mesmo tempo seus criadores e criaturas.
A expressão em alemão é emblemática. Para boa parte do público brasileiro, causa estranheza muito semelhante à provocada pelo tecno. No entanto, revela o conceito de música popular eletrônica, "a nova música, linguagem universal deste e do próximo século".
Quem assim a qualifica é Ralf Hutter, um de seus genitores, há 30 anos, parte da primeira geração de uma Alemanha pós-guerra devastada culturalmente. E sua banda Kraftwerk -uma das maiores influências da música contemporânea no mundo- continua ainda em busca do futuro.
É "visionário" o adjetivo que ele aceita para falar de seu próximo álbum -que deve ser lançado em 99, após um hiato de mais de uma década-, durante entrevista concedida à Folha, anteontem, no Rio.

Folha - O Kraftwerk se considera mais do que um grupo pop?
Ralf Hutter -
Sim. Somos operários musicais. Inventamos a semana de 168 horas, não há separação entre trabalho e tempo livre. Há tantas coisas a fazer: música, programar computadores, imagens, filmes, letras, palavras, discurso, entrevistas, viagens, esportes.
Folha - O que mais o interessa?
Hutter -
A vida cotidiana.
Folha - Na Alemanha?
Hutter -
Sim, só podemos falar do nosso dia-a-dia, ou seja, predominantemente o contexto industrial alemão em Dusseldorf, Colônia. Mas também estamos perto da fronteira, área pan-européia.
Folha - Nesse momento a Alemanha passa por mudanças políticas.
Hutter -
Sim, mas isso é só administração. Acho que não tem nada a ver com arte, música ou pensamento. Quem se importa com o governo? Não acho que burocratas podem influenciar a cultura.
Folha - E quem pode?
Hutter -
Bem, as pessoas fazem cultura, os cineastas, os escritores, os matemáticos, os cientistas, os artistas. Essas são pessoas interessantes, não os burocratas.
Folha - E o cotidiano?
Hutter -
As invenções influenciam a vida cotidiana, como o gravador, a câmera digital, o sintetizador. Há cem anos, para criar um grande som, era preciso uma centena de pessoas, então era necessário um rei ou um rico empreendedor industrial. Hoje, com um computador e caixas de som, há todo um novo princípio de criação autônoma, que transforma os governos e a burocracia em redundantes. E com a Internet e outros canais de comunicação, há diferentes autonomias de discurso.
Folha - O que acha do "faça-você-mesmo" com os computadores na música? E do resultado?
Hutter -
É como havíamos previsto nos anos 70. Éramos a primeira geração do pós-guerra na Alemanha, quando não apenas as casas foram bombardeadas, mas havia uma desorientação na cultura alemã. Mas foi uma grande oportunidade, porque começamos do zero, não havia tradição contínua. Tínhamos essa idéia de criar a "Elektronikevolksmusik", como o "Volkswagen" (carro popular). Agora está em todo lugar, no mainstream. Aconteceu.
Folha - Em 1977, você disse que "todo mundo busca o transe na vida, e as máquinas produzem um transe absolutamente perfeito". Continua achando?
Hutter -
Sim. Nós tocamos as máquinas e algumas vezes elas nos tocam, é um diálogo. Kraftwerk é o homem-máquina ("man-machine"). Algumas pessoas atingem o transe com a exaustão física, tomando drogas ou 20 xícaras de café. Nós o fazemos pela música.
Folha - Há uma hierarquia na música eletrônica?
Hutter -
Não. Algumas vezes, na música, o fator humano é superestimado. E com Kraftwerk nós levamos o fator mecânico ao mesmo nível, à igualdade. Se você trata suas máquinas musicais da mesma forma que seus amigos ou a si mesmo, achará um feedback positivo.
Folha - Primeiro foi o mecânico, o carro, o trem (nos álbuns "Autobahn" e "Trans-Europe Express"), depois o computador (em "Computer World"), agora há a Internet. A música antecipa esses estágios ou os retrata?
Hutter -
Algumas vezes ela é simultânea, mas a música pode ser muito visionária.
Folha - O que é visionário hoje?
Hutter -
Nosso próximo disco.



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