São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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BIA ABRAMO

Republicanos de queixo-duro


"Brothers and Sisters" tenta ensinar os EUA a sucumbir à era Bush sem perder a ternura


BARACK OBAMA , democrata e negro, é o presidente eleito dos Estados Unidos há quase duas semanas e, enquanto isso, no mundo encantado dos seriados americanos, um simpático republicano clássico, daqueles autoritários de queixo-duro, ainda é candidato à Presidência. O queixo-duro é de Rob Lowe, um ex-galã adolescente que fazia as meninas dos anos 80 suspirarem em filmes como "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas" e "Vidas Sem Rumo" e que agora interpreta o senador candidato em "Brothers and Sisters".
De uma maneira nada sutil, a série "Brothers and Sisters" tenta ser uma espécie de cartilha para ensinar os EUA liberal a sucumbir à ordem republicana da era Bush sem perder a graça pop e a ternura jamais. A série tinha um apelo esperto, muito adequado à vaga conservadora dos tempos que correm -"Vejam, os anos Bush não são assim tão desprovidos de charme, e é possível ser reacionário, a favor da guerra do Iraque e das barreiras à imigração sem deixar de ser cool". Depois da vitória democrata nas eleições de 2008, entretanto, passou a soar estranhamente anacrônica. Os irmãos e irmãs do título são os cinco (!) filhos de Nora Walker, uma "baby boomer" interpretada pela Regina Duarte americana, Sally Field. Em vez de se ligar, sintonizar e cair fora, ela se casa com um republicano rico, que a enche de filhos e mantém uma amante por anos.
No início da série, os filhos estão adultos e o pai, morto. Os dramas dos irmãos e irmãs são aqueles previsíveis: divórcio, desencontros amorosos e conjugais, vícios vários etc. A nota dissonante é Kitty, a única filha republicana, também de queixo-duro, e permanentemente em conflito com a mãe e os irmãos "liberais", que se apaixona pelo candidato republicano a ser o próximo presidente dos EUA. O papel de Kitty é de Calista Flockhart, atriz que encarnou como ninguém a mulher americana ultraneurótica dos anos 90 em "Ally McBeal".
A família, à exemplo, vive às turras e discute como poucas, mas, é claro, no fim todos se reconciliam, ora sob a batuta "racional" da personagem de Calista, ora sob comando amoroso de Nora. A mensagem da convivência conciliatória entre conservadores e liberais, entretanto, não deixa de revelar uma não muito disfarçada preferência pelas saídas reacionárias de Kitty, como a sugerir que a diferença entre democratas e republicanos, no fundo, é pouca -e que se não o for, a superioridade republicana vai prevalecer, de algum modo.

biabramo.tv@uol.com.br


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