São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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Crítica

Essência escapa em "O Gosto da Cereja"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O despiste é uma parte essencial da arte de Abbas Kiarostami e é a essência mesmo de "O Gosto da Cereja" (Futura, 22h; classificação indicativa não informada). O filme nos mostra a trajetória de Badii, homem de meia-idade disposto a se suicidar, que busca alguém para se ocupar de seu corpo após a morte.
Badii viaja por uma região desértica, com seu carro vai encontrando as pessoas a quem dá carona, e a cada uma com quem conversa expõe seu plano. Encontra resistências, é óbvio, mas, mais do que tudo, escuta conselhos sobre a vida, seu caráter sagrado etc.
Escutamos os argumentos de ambos os lados, mas sempre mantemos a convicção de que o essencial escapa. Ou seja, nunca nos é dito por que esse homem deseja se suicidar. Correu, na época do lançamento do filme, que esse homem seria homossexual, o que configuraria um duplo crime diante da lei islâmica (o primeiro sendo o suicídio).
A explicação está longe de ser convincente, ao menos à luz do que se vê no filme: Badii surge apenas como um sujeito com um carro em busca de alguém que preste um serviço. Não é do feitio de Kiarostami agitar questões polêmicas, e não porque fuja delas. É que seu cinema funciona como um espelho. Ele nos dá exatamente o que dele recebemos.
Como num espelho, o que vemos é o que expomos. O que retiramos da imagem é o que lhe damos.


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