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Crítica
Essência escapa em "O Gosto da Cereja"
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O despiste é uma parte essencial da arte de Abbas Kiarostami e é a essência mesmo
de "O Gosto da Cereja" (Futura, 22h; classificação indicativa não informada). O filme
nos mostra a trajetória de Badii, homem de meia-idade disposto a se suicidar, que busca
alguém para se ocupar de seu
corpo após a morte.
Badii viaja por uma região
desértica, com seu carro vai encontrando as pessoas a quem
dá carona, e a cada uma com
quem conversa expõe seu plano. Encontra resistências, é óbvio, mas, mais do que tudo, escuta conselhos sobre a vida, seu
caráter sagrado etc.
Escutamos os argumentos de
ambos os lados, mas sempre
mantemos a convicção de que o
essencial escapa. Ou seja, nunca nos é dito por que esse homem deseja se suicidar. Correu, na época do lançamento
do filme, que esse homem seria
homossexual, o que configuraria um duplo crime diante da
lei islâmica (o primeiro sendo
o suicídio).
A explicação está longe de
ser convincente, ao menos à
luz do que se vê no filme: Badii
surge apenas como um sujeito
com um carro em busca de alguém que preste um serviço.
Não é do feitio de Kiarostami
agitar questões polêmicas, e
não porque fuja delas. É que
seu cinema funciona como um
espelho. Ele nos dá exatamente
o que dele recebemos.
Como num espelho, o que
vemos é o que expomos. O que
retiramos da imagem é o que
lhe damos.
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