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Crítica/show/"Beijo Bandido"
Ney mescla gêneros em show minimalista
TONY GOES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A os 68 anos de idade e
com a voz límpida como nunca, Ney Matogrosso é mais moderno do que
os emos e pittys que infestam a
música brasileira. Também é
muito mais antigo: suas raízes
não estão no tropicalismo nem
na bossa nova. Ney é fruto do
mesmo pé que deu Nelson
Gonçalves e Ângela Maria. Um
fruto de casca diferente, sem
dúvida, mas, no fundo, de sabor
parecido com o dos cantores
que ele ouvia no rádio quando
criança.
Essa genealogia não é novidade, mas fica ainda mais evidente em "Beijo Bandido", o
show que estreou nacionalmente em São Paulo no último
fim de semana. Na verdade,
Ney já vinha apresentando rascunhos do novo espetáculo
desde o final de 2008, quando a
turnê de seu trabalho anterior,
"Inclassificáveis", ainda nem
havia terminado. Foi testando
músicas e arranjos até chegar
ao formato atual, contido e arrebatador na medida certa.
O repertório é à prova de bala
-ou talvez seja Ney quem o faz
assim. Ele tem o dom de misturar canções de gêneros e épocas
diferentes e torná-las suas, como se os compositores o tivessem em mente.
Apenas "Invento", de Vitor
Ramil -onde há o verso que dá
nome ao show-, é inédita. "Da
Cor do Desejo" já havia sido
gravada por seu autor, o alagoano Junior Almeida, mas só agora ganha projeção nacional.
Ney não se faz de rogado ao
combiná-la com "Da Cor do Pecado", o clássico de Bororó que
gravou anos atrás.
E ainda mistura o pop dos
anos 80 ("Nada por Mim", de
Herbert Vianna e Paula Toller)
com "Segredo", carro-chefe de
Dalva de Oliveira, passando por
Edu Lobo, Chico Buarque, Zé
Ramalho, Astor Piazzola e Roberto Carlos. Os excelentes arranjos acústicos dão unidade e
coerência ao projeto.
Até a manjada "Fascinação"
ressurge renovada, arrancando
aplausos da plateia -formada,
em grande parte, por senhoras
idosas que não continham o assanhamento. Tudo soa exótico,
tudo soa natural.
Ney está sempre escarafunchando coisas novas, ao mesmo
tempo em que remexe o fundo
do baú. Nesse ponto, se parece
com Maria Bethânia, também
único páreo para ele no quesito
presença em cena.
"Beijo Bandido" é um espetáculo intimista e minimalista. O
cenário se resume a algumas
projeções no fundo do palco.
Como de costume, a iluminação é primorosa. É um prazer
vê-lo de uma poltrona de teatro, em vez das barulhentas casas de shows habituais. Mas talvez ficasse ainda melhor num
espaço pequeno, que valorizasse o clima de cabaré. Ney não
precisa de mais nada.
BEIJO BANDIDO
Avaliação: ótimo
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