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Crítica/exposição/"Vertigem"
Dupla cria "cosmética da pobreza"
Na tentativa de levar ruas ao museu, Osgêmeos tornam a miséria um produto de consumo e caem no entretenimento
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
A transposição do grafite
para galerias e museus
é um debate que ocorre
desde a década de 70. A mostra
"Vertigem", da dupla paulistana Osgêmeos, em cartaz na
Faap até dezembro, poderia ser
observada como mais um capítulo dessa história.
A dupla já incorreu na institucionalização, em São Paulo,
quando, em 2006, organizou
"O Peixe que Comia Estrelas
Cadentes", na Fortes Vilaça.
Daquela vez, os irmãos Otávio e
Gustavo Pandolfo transformaram seus personagens em seres
tridimensionais para que o visitante fosse envolvido no universo onírico da dupla.
Contudo, a "instalação", que
mais parecia a atração de um
parque de diversões, situava-se
no campo do entretenimento e
não agregou nada ao debate de
como levar um trabalho transgressor feito na rua para o cubo
branco de uma galeria de arte.
Agora, os Pandolfo tentam
uma nova fórmula: levar a própria rua para o museu, ou melhor, seus habitantes. Um elemento fundamental no grafite
é seu diálogo com o espaço urbano, marcado pela poluição
visual e sonora das cidades,
transformando-o e a ele agregando, em alguns casos, carga
poética, como n'Osgêmeos, ou
política, como em tantos outros
pixadores e grafiteiros.
Era óbvio em "O Peixe que
Comia Estrelas Cadentes" que
o diálogo com a rua fazia falta.
Em "Vertigem", essa deficiência buscou ser compensada por
fotos e vídeos de moradores de
rua em situações miseráveis, o
que é, sem dúvida, uma tentativa de manter o lírico diálogo
entre os grafites e o entorno.
O problema é que, enquanto
na rua essa tensão é autêntica,
dentro de um espaço museológico as imagens desses miseráveis são mera ilustração e, pior,
apropriação rasa de um estado
de indigência típico das metrópoles latino-americanas. Ivana
Bentes denomina uma operação parecida no cinema nacional como "cosmética da fome".
Pois Osgêmeos realizam com
"Vertigem" uma "cosmética da
pobreza", já que tornam a miséria um produto de consumo fácil, caindo, novamente, no campo do entretenimento.
E a questão não está no uso
de elementos populares. É sabido que Hélio Oiticica buscava
se inspirar na favela para pensar seu trabalho, mas sua meta
não era criar uma chique representação da pobreza, como se
vê nas fotos em "backlight" dos
Pandolfo. No debate sobre a
transposição da arte de rua para o museu, "Vertigem" não
tem nada a declarar.
VERTIGEM
Onde: Faap (r. Alagoas, 903, tel. 0/
xx/11/3662-7198, SP)
Quando: de ter. a sex., das 10h às
20h; sáb. e dom., das 10h às 17h; até
13/12
Quanto: entrada franca
Avaliação: ruim
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