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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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ARTES PLÁSTICAS

A Anual de Arte chega à 35ª edição; neste ano, não há tendência predominante entre as obras expostas

Faap reúne investigações sobre o urbano

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Stendhal disse que o romance é um espelho passando ao longo de uma estrada; refletirá tanto as flores quanto a lama que encontrar pelo caminho.
A artista plástica Vera Uberti faz coisa parecida, num vídeo que é destaque na 35ª Anual de Arte, exposição anual de alunos da Faap. Ela construiu um cubo com espelhos e jogou-o nas águas do Tietê. Acontece que o cubo flutua, e vai refletindo vagarosamente o céu e a imundície à sua volta. O vídeo de Vera Uberti registra essa deriva. Os tons de cinza, verde e pardo do rio poluído ganham uma luminosidade prateada ao se refletirem no espelho. As imagens são projetadas numa parede. Em outra parede, fazendo ângulo reto com a primeira, outro vídeo é projetado, em que outro cubo e outro rio se refletem.
É difícil identificar uma tendência predominante entre os trabalhos dos estudantes deste ano. Mas, para além das heterogeneidades de linguagem, é nas obras de temática urbana que está o mais interessante da mostra.
Giuliano Montijo armou um aparelho de fliperama com tábuas de madeira, pregadores de roupa, bolas de gude e restos de um fliperama de verdade, num visual favelizado e trágico. Nas xilogravuras de Anna Mazzei Nogueira, retratando um pátio de conjunto habitacional ou gente empurrando um carro enguiçado, é como se Oswaldo Goeldi quisesse ressuscitar na periferia.
Papeizinhos com pedido de esmola são pendurados na parede e ganham moldura dourada na obra de Roger Bassetto. Com delicadeza, o vídeo de Rita Meireles mostra fotos banais de São Paulo, a que a artista acrescenta horizontes azuis e cor-de-rosa com caneta de hidrocor.
Não é tão imediata a relação de "Três linhas", belo e premiado trabalho de Patrícia Pomerantzeff, com o urbano. Trata-se de uma longa série de fotografias, que se estica por uma das paredes do salão. Há fotos de tudo: uma praia de cabeça para baixo, um tronco de árvore deitado, bronzeadores numa prateleira de farmácia, a barriga de um cachorro, garfo e faca cruzados num prato.
Essas imagens têm em comum o fato de se dividirem em três faixas horizontais, de tamanho mais ou menos equivalente. Dispostas em sequência, formam como uma avenida de cores, homogênea e variável. O que poderia ser visto como simples -e fascinante- jogo formal não deixa de lembrar, contudo, a visão do pós-modernista Robert Venturi, defendendo a arquitetura de "beira de estrada", a "strip" -tira uniforme e bidimensional de edificações que caracteriza Las Vegas.
Estradas e espelhos, portanto. Verdade que não necessariamente juntos. Mas possíveis indicações de confluência entre artistas de uma mesma geração.


35ª ANUAL DE ARTE. Faap (r. Alagoas, 903, SP, tel. 0/xx/11/3662-7198). De ter. a sex., de 10h às 21h. Sáb. e dom., de 13h às 18h. Até 21/12.


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