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CINEMA
Em "Quem é Morto Sempre Aparece", Robin Williams vive agente de viagem que tenta dar golpe na seguradora
Humor negro camufla história de amor moderna
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Estar diante de um filme de
amor não é a impressão que
temos nos estágios iniciais de
"Quem é Morto Sempre Aparece". Há o quase delicado joão-ninguém Paul Barnell (Robin Williams), casado com uma mulher
mentalmente abalada. Uma
criança de seis anos em formato
de 40 vivendo, alienada da vida
adulta, em uma bolha de fabulações. Falido, Paul tem a idéia de
explorar a apólice do irmão desaparecido há anos. O problema
surge quando a seguradora, desconfiada, exige a comprovação de
óbito, o que ele resolve com um
cadáver achado no lixo.
Golpe aplicado, arma-se a confusão, envolvendo, além dele e da
seguradora, mafiosos. Mas é um
filme de amor, sobretudo porque
é um filme de vulneráveis: passa-se no Alasca, que é a terra dos vulneráveis, comprovadamente. Espaço infinito e congelado, nele as
pessoas vivem em estado de angústia cordial, mas perpétua, já
que angústia é certamente sentir
frio. Terra dos vulneráveis também pois todos, ainda que convivam, estão meio sozinhos.
A vulnerabilidade é amplificada
pelo reaparecimento do irmão de
Paul, o paspalho truculento Ray,
que descobre a farsa e, brigão, lega
aos outros personagens uns 50
minutos de hematomas: a vulnerabilidade na carne, a mais visível.
Essa comédia de humor negro,
assim, camufla o mais ordinariamente humano. Pessoas que precisam, afinal, se salvar. Mas não se
trata de dinheiro: os abismos aqui
são a solidão e a tristeza. Talvez
demore para que entendamos
que estamos diante não de gente
sórdida, mas de gente frágil: Paul
forja todo seu plano visando patrocinar a felicidade da mulher,
para salvá-la e para salvar a si
mesmo. Quer ter grana para, sabe-se lá, levá-la a algum lugar, a
algum sonho que, quando realizado, a devolva como era antes.
A relação que o cinema propõe
entre amor e sistema é eterna. Nos
filmes de Fritz Lang ("Desejo Humano", por exemplo, cujo tema
pode ser sintetizado em "se toca
que a garota é chave de cadeia"),
os homens ficam próximos do pecado social, da infração das leis,
por paixão e tesão fulminantes.
Isso nos anos 50.
Agora, nos anos de 00, no meio
dessa população de zumbis emocionais, que respira o ar polar
-não do Alasca, mas do arrivismo e do individualismo-, o
amor e o impulso de burlar normas do sistema não têm a ver com
desejo e pulsação. É tudo questão
de fuga, exílio em alguém que você possa cuidar ou que cuide de
você. Erotismo dissolvido, a relação entre Paul e a mulher, desviada, é de pai e filha. Ele precisa protegê-la e, assim, se proteger do
mundo. Uma pena então que o
diretor sofra para conduzir a história, demore para emancipar os
personagens do mero recalque e a
si próprio das engrenagens do roteiro. Falta liberdade. Sem contar
sua dificuldade em instalar de fato
nossos sentidos naquele cenário
inocultável. Mesmo assim, vale
pela insana jornada sentimental
de Paul.
Quem é Morto Sempre Aparece
The Big White
Direção: Mark Mylod
Produção: EUA, 2005
Com: Robin Williams, Woody Harrelson
Quando: a partir de hoje nos cines
Cineclube Vitrine e Espaço Unibanco
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