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CARLOS HEITOR CONY
Ilha Grande - Verde e Barroca
Como na Roma de antigamente, na baía de Angra dos
Reis (365 ilhas, uma para cada
dia do ano), todos os caminhos levam à Ilha Grande. Principalmente por mar. Para as naus de
Gonçalo Coelho que ali chegavam, ela se destacava não apenas
pelo tamanho, mas pela altura e
pela vegetação que estreitava o
horizonte à medida que as caravelas com a cruz de Malta dela se
aproximavam.
Tanto e tão surpreendentemente que nem parecia uma ilha, mas
um esporão rendilhado do continente. Ao contrário de Pedro Álvares Cabral, que chegou a um
continente e pensou que chegara
a uma ilha, dando-lhe o nome de
Ilha de Santa Cruz, Gonçalo Coelho chegou a uma ilha e pensou
que chegava a um continente.
Pelo caminho, no trecho entre o
Rio de Janeiro e São Vicente, encontraram numerosas ilhas, mas
todas ostensivamente ilhas
-porção de terra cercada pelo
mar por todos os lados. Algumas
rasteiras, formadas por rochas escuras, rodeadas por faixas de vegetação. Outras onduladas, com
montanhas que se tornavam azuladas no horizonte. Nenhuma delas, porém, se apresentava com a
assombrosa paisagem saída das
águas, úmida ainda da criação
do mundo.
De tal forma aquela "porção de
terra" se destacava do continente,
e feito o reconhecimento de seu
contorno fantástico, que os navegadores portugueses não mais duvidaram de que se tratava de
uma ilha -e bota ilha nisso. Ao
contrário dos descobridores do século 16, que tinham audácia demais e imaginação de menos, não
precisaram apelar para o calendário religioso, dando à descoberta o nome da festa do dia. As três
Américas ficaram pontilhadas de
santos e santas, San Diego, Santa
Maria de Los Angeles, São Francisco, São Domingos, São Salvador, Santa Catarina, Bahia de
Todos os Santos, São Vicente, São
Luís etc. Ou de referências pontuais e impressionistas, na maioria das vezes equivocadas, como
Rio de Janeiro, Costa Rica.
Para a grande ilha a que chegavam, não havia outro nome capaz de marcá-la e defini-la: Ilha
Grande, mesmo, com características próprias, sem uma linha reta
maior do que alguns metros.
Além de grande ilha, um cenário
monumental. Vista do mar, podia ser considerada uma colossal
"barroca", aquele tipo de pérola
com que os espanhóis diferenciavam algumas delas das pérolas
comuns, que são arredondadas,
lisas, uniformes. Classificação que
serviu, inclusive, para designar
um estilo de arte onde a profusão
de linhas, o surpreendente do traçado, o inesperado das formas
criaram uma nova modalidade
de expressão: o barroco.
Sim, uma ilha barroca, com
suas enseadas múltiplas e diferenciadas umas das outras, rendilhadas como um gigantesco leque
que se abria aos olhos atônitos
dos descobridores. Um deles, bem
ao estilo dos portugueses, após ter
visitado o Rio de Janeiro e logo
em seguida ter chegado àquela
ilha recentemente absorvida nas
primitivas cartas náuticas do
tempo, achou que "Deus tinha
perdido a cabeça" ao criar aquele
trecho do litoral brasileiro.
Vista do mar, é impressionante
a sucessão de suas praias. Ao todo, 106, divididas entre as que
surgiram no oceano e as que estão
próximas do continente. Diferem
umas das outras pela cor da
areia, pela violência ou calmaria
das águas, pelo relevo e pelo tamanho. São únicas, individuais
na originalidade que as distingue
entre si -e todas da massa do
oceano.
A história da Ilha Grande (ela
tem uma história desvinculada
da história geral do Brasil e da região em que se localiza) é acidentada, freqüentes vezes contraditória. Foi refúgio de piratas, alguns
deles a soldo dos reis da França,
de Portugal e da Espanha. Pela
sua distância do litoral e pelo número e tamanho de sua trilhas,
enseadas e grotões, abrigou um
leprosário e um presídio, certamente o mais famoso do Brasil,
onde, por diferentes motivos, estiveram presos Graciliano Ramos
(um escritor, preso por motivos
políticos), Mariel Mariscot (um
policial corrupto) e Madame Satã, um homossexual bom de briga, de lendária valentia, que imperava no submundo carioca cujo eixo eram a Lapa e suas adjacências.
Piratas, doentes, presidiários,
muitos e diferentes habitantes
passaram e a ilha ficou como
sempre foi e é. Mais recentemente,
promoveu-se a paraíso ecológico
e, como tudo é possível, um dia
ainda será declarada patrimônio
da humanidade -apesar dos turistas que ali estão chegando com
as habituais e péssimas intenções
de tudo aproveitar, trazendo na
bagagem a devastação e a poluição.
A ilha impressiona de qualquer
ângulo, tanto na visão panorâmica como no "close", com suas
areias, matas e montanhas nascidas abruptamente das águas. De
uma delas surge um ponto culminante de tal forma nítido que, tal
como o nome da própria ilha, não
foi difícil designá-lo: "Bico de Papagaio". Parece realmente um
formidável papagaio, do qual só
vê o assombroso bico, tendo o corpo descomunal encoberto pela
compacta vegetação ao redor. Tudo a ver com o nome dado nos
mapas europeus aos domínios incorporados à Coroa Portuguesa:
"Terra Papagalis". Terra dos papagaios.
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