São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2006

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Modelo da Bienal de SP vive crise

Críticos e curadores apontam problemas com o padrão de mostra de massas, também adotado em Kassel e em Veneza

Ronaldo Brito, Ferreira Gullar, Tadeu Chiarelli e Paulo Venancio Filho não são otimistas quanto ao perfil de mostra paulistana


MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Bienal de São Paulo não tem mais o mesmo papel definidor e influente nas artes plásticas brasileiras, segue o padrão de eventos como a Documenta de Kassel e está refém de um modelo desgastado. Críticos e curadores ouvidos pela Folha fizeram esse diagnóstico sobre o modelo de grande mostra da Bienal, que termina amanhã.
"As bienais hoje são fenômenos de massa. Deixaram de ser um laboratório e um acontecimento onde havia espaço para o experimental. Não é um fenômeno isolado, Kassel e Veneza passam pelo mesmo problema", afirma o crítico e professor da PUC-Rio Ronaldo Brito.
O crítico e professor da Escola de Belas Artes da UFRJ Paulo Venancio Filho observa um "populismo" nas mais recentes edições da Bienal paulistana. "Há duas edições, a Bienal de São Paulo tem procurado, mediocremente, imitar e se integrar ao modelo das exposições do populismo global ditado pelas últimas Documentas e que se espalhou por todos os continentes."
"As bienais se transformaram em certames-espetáculo ou locais oficiais de rebeldia. O que dá importância a uma exposição é a arte que ela exibe. Se, como disse Duchamp, "é arte tudo o que eu disser que é arte", que sentido têm as bienais?", pergunta o poeta, crítico e colunista da Folha Ferreira Gullar.
Gullar vê problemas no predomínio da arte conceitual nas exposições. "É curioso que a arte conceitual tenha nascido como uma denúncia da oficialização e da mercantilização da arte. Hoje, as bienais se convertem em supermercados da arte, ou melhor, da antiarte, financiadas por grandes empresas e instituições."

Crise institucional
O crítico e curador Tadeu Chiarelli observa uma crise no modelo institucional da Bienal de São Paulo. "Creio que até os anos 80, a Bienal de São Paulo cumpriu um papel fundamental na cena cultural e artística do país. Hoje ela se encontra mergulhada em plena crise de sentido", avalia ele.
"A instituição Bienal não possui um projeto para si mesma. Ela não se pensa, pura e simplesmente. Seria importante um debate que levasse em consideração o que significa desenvolver uma mostra internacional de arte, a cada dois anos, seguindo um modelo do século 19, num país em que ela é das instituições mais antigas na área."

Relação com o mercado
Além das evidentes semelhanças entre os tradicionais eventos de artes plásticas em âmbito mundial, as "megamostras" têm uma relação problemática com o mercado.
"Acho que as bienais, de uma maneira geral, estão perdendo terreno sério para as feiras de arte [a suíça Basel, a espanhola Arco, entre outras], que não demonstram nenhuma vergonha em trabalhar com o mercado, pelo contrário", diz Chiarelli.
"Por outro lado, Kassel e Veneza tendem a apontar tendências "desestabilizadoras" que, na seqüência, estarão nas feiras. Penso que, com raras exceções, as últimas edições da Bienal de São Paulo vêm atuando mais como caixas de ressonância de Kassel e Veneza do que como propositoras de tendências."

História
Os críticos ouvidos, no entanto, lembram que a Bienal de São Paulo foi um evento decisivo nas artes visuais do país. "Reputo à Bienal, ao Masp e ao MAM carioca os mais importantes adventos nas artes plásticas brasileiras. No caso da Bienal, ela deixou para trás todo o populismo que Di Cavalcanti e Portinari exerciam no cenário nacional. A emergência de Iberê [Camargo], Mira Schendel, Sergio Camargo, Hélio Oiticica, Lygia Clark, entre muitos outros, tem relação direta com a Bienal", avalia Brito.
Venancio Filho vê na explosão de paralelas um sintoma da crise enfrentada pelo modelo da Bienal de São Paulo.
"A Bienal de 1953 foi, talvez, a maior exposição de arte moderna já realizada em todos os tempos. Essa experiência histórica não está reincidindo sobre uma redefinição do papel da Bienal, especialmente agora quando a arte brasileira está em alta. Daí a esquizofrênica realização de paralelas e paralelas de paralelas."
A atual curadoria da 27ª Bienal, comandada por Lisette Lagnado, que fez um programa de artistas-residentes, aboliu as representações nacionais e realizou vários debates sobre o tema do evento, "Como Viver Junto", recebeu alguns elogios.
"São tentativas muito oportunas de buscar retirar da Bienal o caráter "espetaculoso" que ela assumiu nas suas últimas edições, seu caráter de evento", afirma Chiarelli.


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