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CINEMA
Com "Melinda e Melinda", Woody Allen volta ao drama
PEDRO GUIMARÃES
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE PARIS
Há quase 20 anos Woody Allen
não dirigia um filme dramático.
As últimas incursões do mais nova-iorquino e neurótico dos diretores pelos dramas profundos foram os bergmanianos "A Outra"
e "Setembro", ambos do final da
década de 80.
Agora, com "Melinda e Melinda", programado para estrear no
Brasil no final de maio, Allen volta
a se aventurar pelo seu gênero
preferido. "Para cada drama, tive
que fazer pelo menos cinco comédias", diz o diretor em entrevista
ao jornal francês "Libération".
A França é, alias, um dos primeiros países a assistir ao 36º longa do diretor, antes mesmo dos
EUA e da Inglaterra. Isso porque,
a cada estréia de um novo filme de
Woody Allen, os franceses se precipitam em massa para os cinemas, mesmo em filmes menores,
como os recentes "Trapaceiros" e
"Igual a Tudo na Vida", relativos
sucessos de público na França.
Todo o amor declarado pelos
franceses ao diretor é devolvido
em dobro nos roteiros de Allen.
Em "Dirigindo no Escuro", a obra
de um diretor de cinema cego e
incompreendido na América se
revela um sucesso no outro lado
do Atlântico. Já em "Melinda e
Melinda" não faltam cenas rodadas em bistrôs tipicamente franceses e referências à cultura e ao
modo de vida dos europeus.
O novo filme é uma das mais
ousadas experiências formais do
cinema recente de Woody Allen,
que conta duas histórias paralelas
sobre uma personagem com o
mesmo nome -Melinda, a desconhecida atriz australiana Radha
Mitchell-, imaginadas numa
mesa de bar por dois dramaturgos de estilos opostos (um cômico, o outro dramático).
Isso não significa, no entanto,
inventar uma nova linguagem
narrativa. Nessa tragicomédia,
Allen reforça e inova alguns clichês. Por um lado, continuam
presentes os personagens que
mais parecem metralhadoras de
piadas, um alter ego do diretor.
Por outro, saem de cena as constantes referências psicanalíticas e
os diálogos sobre dificuldade de
relacionamentos e incompatibilidade de sexos.
Entre suas duas Melindas, a mise-en-scène de Woody Allen manifesta abertamente sua preferência por uma delas. A Melinda cômica é uma jovem e atraente nova-iorquina do Upper East Side,
que sofre por amor. Já a Melinda
dramática, personagem mais interessante, é uma mãe impedida
de ver seus filhos depois de ter
matado o amante, por quem ela
abandonou o marido.
Essa Melinda nada mais é do
que uma atualização de outra personagem ícone da tragédia do século 20, a decadente dama sulista
Blanche DuBois, criada por Tennessee Williams e imortalizada
nas telas por Vivien Leigh em
"Um Bonde Chamado Desejo"
(Elia Kazan, 1951).
Movidas por um sentimento de
fuga e de repressão, Blanche e Melinda aportam num universo a
princípio confortável, mas que se
revela mais hostil do que elas poderiam imaginar. Cansadas de se
debaterem contra essa nova realidade dramática que as sufoca
(perseguição do cunhado/surto
nervoso, no caso de Williams;
traição da melhor amiga/tentativa
de suicídio, no de Allen), Melinda
não tem outra solução senão se
deixar esmagar pela câmera de
Allen, assim como Kazan havia
feito com Blanche 50 anos antes.
Nessa comédia de poucas risadas (ou drama de quase nenhum
choro), Allen finalmente recupera
um pouco da vitalidade que vinha
lhe faltando nos últimos anos.
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