São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Nas abas do Equador

"Clássico feito arroz com feijão", o chapéu-panamá é fabricado por equatorianos. Chapelarias do Rio chegam a ter 500 pedidos mensais no verão.
Rafael Andrade/ Folha Imagem
Por Audrey Furlaneto

Seu nome deveria ser "chapéu Equador". Afinal, foram os índios equatorianos que trabalharam, desde o século 17, para que ele fosse assim: de palha finíssima e tão maleável que poderia caber dobrado dentro do bolso quando o sujeito já não estivesse mais "bajo el sol". No meio do caminho, porém, tinha o Panamá e os americanos. Operários das obras do canal daquele país, eles gostaram do modelo e o apelidaram: "Panamá Hat" ou chapéu-panamá.

 


Na rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, mais de cem anos depois das obras do Canal do Panamá, uma placa na barbearia Club XV anuncia: "Temos chapéu-panamá". O comerciante César Fraga, 48, importa o modelo do Equador há um ano. "É clássico, sempre vende", diz. No verão de 40C do Rio, aliás, vende mais.

 


O panamá é acessório hit dos jovens em Ipanema. Na Chapelaria Alberto, fundada há 115 anos no centro da cidade, as vendas dobram no calor e no período próximo ao Carnaval: "São de 400 a 500 chapéus-panamá por mês nessa época", diz o sócio da loja Carlos Eduardo Fadel, 64. O número é bom, mas nada como no passado: no início do século 20, a Alberto chegou a ter três filiais. Agora, mescla gravatas, ternos e lenços aos chapéus na loja única.

 


"Em outros tempos", ele lembra, "o chapéu dizia o status da pessoa. Hoje em dia, é só mais uma moda". Na mesa de madeira que decora a loja, ele aponta a foto da fachada de uma das primeiras sedes da Alberto, com o letreiro "Artigos Finos para Cavalheiros".

 


Humphrey Bogart, Clark Gable e Cary Grant estão na lista que o consultor de moda Julio Rego faz para lembrar os cavalheiros que usaram o artigo fino. Ele se inspira nos atores de "Casablanca" (1942), "...E o Vento Levou" (1939) e "Tarde Demais para Esquecer" (1957)", respectivamente, quando veste seus panamás (ele os usa há "muuuuitos anos" e tem vários). "Tudo é o jeito de vestir. Tem que ter porte, deixar meio de lado."

O consultor conta que, quando usava e "não era moda", "todo mundo me olhava na rua". O fato de o produto ter se tornado, digamos, lugar-comum é motivo de chateação. "É tanta gente usando que eu ando pensando em trocar o panamá por um de palha comum [risos]. Não, brincadeira. No clima dos trópicos, você tem que usar um chapéu. E o panamá é bem trópico, bem Rio."

 


Não foi no Rio, mas no Caribe, que Maitê Proença comprou um dos melhores modelos, o importado da cidade de Montecristi. "É o panamá de melhor qualidade, com a trama mais apertada", conta a atriz, que tem outros dois (um comprado diretamente no Equador e outro, no Taiti). "No Rio, [chapéu] sempre cai bem. Isso aqui é um balneário."

 


Ela explica a importância do chapéu: "60% do calor do corpo entra ou sai pela cabeça. Experimente nadar na água gelada com uma touca protetora e sem. Seria útil se informar também sobre o uso prático".

 


Luiza Brunet está informada. Ela caminha todos os dias na praia usando um panamá. "Comprei alguns fora do Brasil e outros no Rio. Tenho vários porque eles ficam amarelados com o tempo." Para ela, o panamá é "extremamente elegante". "Tá tão na moda que até camelô vende [cópias em fibras sintéticas]. O panamá vai e volta por modismo e conforto porque, com esse sol, você precisa se proteger. E ainda é um look diferente, sai da mesmice."

 


Já a atriz Bárbara Paz, que também adotou o panamá (trouxe um da última viagem para Nice, na França), vê qualidades "fashion" no acessório: "Acho um charme. É clássico: chique à noite e charmoso durante o dia. Simplesmente aaamo". Para Almir Romão Damaso, 70, da Chapelaria Porto, a coisa é mais simples: "Panamá não sai de moda, é clássico feito arroz com feijão".

 


Nas lojas do centro da cidade, os modelos mais baratos vão de R$ 80 (na barbearia Club XV) a R$ 120 (na Chapelaria Alberto). Eles têm o trançado um pouco menos justo e são prensados no Equador mesmo ou por indústrias brasileiras, como a Rio Branco e a Pralana. Já os mais caros, como um "pele de ovo", têm a "paja toquilla" (palha extraída de uma palmeira nativa do Equador) tão fina e trançada tão minuciosamente que podem custar até US$ 8.000, conta Damaso. "O índio leva um ano para fazer. Só vi três até hoje, de fregueses ricos que trouxeram para manutenção."

 


Na chapelaria dele, fundada em 1880, está um dos modelos mais caros (em estilo cowboy, com trançado muito fino, a R$ 600). Fora do verão, quando o público é de jovens à procura da peça na moda, a loja mantém a clientela fiel de sambistas, como Monarco da Portela e membros das velhas guardas das escolas de samba.

 


"Paulinho da Viola pede para buscarem os chapéus dele aqui, a Ana Botafogo também. Meu pai vendia para o Getúlio Vargas, que gostava do modelo social [de aba menor]." Vargas teria gostado do panamá quando viu um na cabeça de Franklin Roosevelt -sobrinho de Theodore Roosevelt, presidente dos EUA de 1901 a 1909, que usou o modelo na inauguração do Canal do Panamá (1906) e reforçou o título de "Panamá Hat".

 


Damaso é um dos únicos que fazem panamás sob medida no Rio. Dá forma à peça que compra "crua" do Equador -com a copa apenas arredondada e abas longas. Ele mede a cabeça do cliente e posiciona o chapéu numa forma de madeira do mesmo número. Lá, passa a copa a ferro para que fique no tamanho. Depois, engoma com cola Cascorex e seca ao sol, antes de cortar a aba ao gosto do freguês, que também escolhe a faixa de enfeite.


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