São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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O lado B da moda

Cinco estilistas conversam sobre a situação das pequenas grifes em meio aos grandes grupos de moda na SPFW; temporada outono-inverno 2010 do evento começa hoje

Filipe Redondo/Folha Imagem

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
VIVIAN WHITEMAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Começa hoje a SPFW e, com ela, vem o foguetório fashion: as modelos famosas, os desfiles espetaculares, as estrelas nas passarelas e as celebridades na plateia. Tudo isso faz parte do mundo da moda e também da semana paulista.
Ao mesmo tempo, um bom número de pequenas grifes se apresenta sem muito burburinho, tentando cavar um lugar ao sol da moda, em meio ao poderoso aparato acionado pelas grandes marcas.
Essas grifes são o lado B da SPFW: mostram suas coleções nas menores salas do evento e não têm verba para montar grandes espetáculos nem para castings de luxo. A elas, só resta mostrar o que têm de melhor: a sua moda criativa.
A Folha reuniu cinco estilistas, donos de grifes ainda pequenas, para conversar sobre a sua situação na SPFW: o curitibano Jefferson Kulig e os paulistas Erika Ikezili, Priscilla Darolt, Simone Campos e Wilson Ranieri. Os quatro últimos participaram do extinto evento de moda jovem Amni Hot Spot.
A seguir, os estilistas apontam as limitações atuais da SPFW na relação com as pequenas grifes e falam também das vantagens de pertencer ao cobiçado line-up da principal semana de moda do país.

FOLHA - Depois de alguns anos na SPFW, vocês acreditam que a visibilidade de suas grifes aumentou ou vocês se sentem relegados a um segundo plano neste evento?
ERIKA IKEZILI - No começo, eles cuidaram mais da gente. De repente, ficamos meio largados, em salas pequenas, onde não cabiam direito a imprensa, os compradores e os patrocinadores. Mesmo assim, a visibilidade que o evento traz é verdadeira. E, quanto à exportação, tenho que dar o louvor à SPFW, porque não tenho escritório fora do país, e os clientes me procuram porque viram as minhas criações lá fora, em sites.
WILSON RANIERI - O evento me dá uma grande parte da estrutura, como a iluminação e o som do desfile etc. Não preciso pagar por isso. O fato de a sala ser pequena não me incomoda. Ela é do tamanho que eu preciso. Quanto aos grandes grupos, penso que não são incompatíveis conosco. Cada grife tem uma proposta diferente. Minhas vendas aumentaram desde que eu entrei no evento. Eu é que não consigo atender a todo mundo, por causa do tamanho da minha empresa.
SIMONE NUNES - A diferença é clara. Mesmo que um grande grupo tenha problemas financeiros, isso não fica claro nos desfiles. No nosso caso, esses problemas aparecem de maneira muito nítida. Mas o fato de eu desfilar na SPFW, é claro, dá visibilidade à minha grife.
JEFFERSON KULIG - A SPFW sempre deu um bom suporte. Mas acho que, em termos de administração, deveria separar os criadores de moda dos grandes grupos, dar um apoio diferenciado. Quando alguém trabalha com criação autoral, é muito mais difícil comercializar um produto. Lá dentro a gente é tratado com um todo. Eles não têm culpa, mas o problema é que a cliente muitas vezes não sabe diferenciar uma marca criadora das outras grifes. Ela vê um desfile que é um supershow, com grandes modelos, e isso vai influenciar na compra.
PRISCILLA DAROLT - O lugar que a grife ocupa na SPFW não vai definir o seu futuro, o que conta é a capacidade de gestão. As grandes marcas são muito calcadas em empresários, não em estilistas. Agora, tenho me preocupado menos com o desfile e mais com a realidade da empresa. O importante é ter um apoio para viabilizar a coleção comercialmente. Para o desfile, sempre damor um jeito.

FOLHA - Vocês acham que a SPFW, nos últimos tempos, está se voltando cada vez mais para as grandes grifes e está menos preocupada em revelar novos talentos?
JEFFERSON - Todo mundo faz desfile para passar uma imagem de moda e para vender. A moda só funciona porque existe consumo. Mas sinto que há dez anos havia mais marcas criadoras de moda. Hoje existem mais marcas de roupas do que de moda.
SIMONE - As pessoas olham a SPFW como se fosse um todo, porque, ao contrário de outros países, todos os desfiles são feitos num mesmo lugar. Mas não é assim. O evento é muito heterogêneo, e a gente tem de olhar cada grife conforme o seu histórico. E nós estamos lá, no meio dos peixes grandes.
ERIKA - Isso é real, aconteceu: diminuiu mesmo a quantidade de criadores dentro do evento. Foi um movimento de seleção natural de empresas.

FOLHA - Seus negócios são muito dependentes da imagem da SPFW? Vocês existiriam no mercado se saíssem do evento?
PRISCILLA - A SPFW nos permite mostrar as nossas criações. No conjunto, estar ali ajuda bastante. As vendas da minha grife são estáveis e só não cresceram porque não tenho estrutura empresarial para dar conta de grandes encomendas.
JEFFERSON - Comercialmente, vejo muita gente sobrevivendo fora da SPFW, mas ela é importante para mim porque me leva a um exercício de criatividade. Sem ela, acho que eu iria exercitar menos a criação e ficar mais comercial, deixando de fazer o que mais gosto. Mas, em termos financeiros, a cliente não compra apenas porque você está na SPFW. A sua roupa tem de valer a pena.
WILSON - Acho que sou dependente, sim. Se não fosse a SPFW, eu teria de inventar outra estratégia de marketing. ERIKA - Vejo a minha marca muito vinculada à SPFW, mas é como o Wilson falou: sem o evento, eu buscaria sobreviver de outra forma.

FOLHA - Vocês têm feito um grande esforço para tornarem suas marcas conhecidas?
PRISCILLA - Pode não rolar do jeito que eu imaginava, mas eu me esforço bastante.
JEFFERSON - Com certeza, tenho trabalhado muito. Para você ser um criador de moda no Brasil, tem de acordar pensando como vai sobreviver e o que apresentará de novo. É uma luta constante.
WILSON - Acho que, sim, tenho me esforçado bastante. Agora preciso me virar para que as pessoas tenham ainda mais acesso ao meu trabalho.
ERIKA - Sim, me esforço demais. Mas sei que falta muito. É isso que me faz continuar.
SIMONE - Eu me esforço tanto que já ultrapassei todos os limites (risos). Nós temos um ponto positivo que é estarmos fazendo moda autoral. Com o tempo, você descobre que desenvolveu uma identidade genuína para a grife e que o autoral pode funcionar comercialmente. Ou seja, temos de encontrar o público que quer consumir peças autorais.


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