|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ambicioso, Allen faz "Ponto Final" decolar só em sua parte policial
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Uma parte de Woody Allen,
todos sabem, bem que gostaria de ser européia. Essa parte,
que ocupa uns 75% de seu ser, nos
últimos anos tem tido de se contentar com Nova York e o "nova-iorquismo" do cineasta.
Em "Ponto Final - Match
Point", que estréia hoje no país,
Woody, como que voltando aos
anos 80, encosta a comédia e recupera a ambição -com vantagens
e desvantagens. Ele vai a Londres,
isto é, a uma série de signos de
cultura e finesse que, ali, nem parecem essas idéias fora do lugar
que o autor costuma atribuir aos
intelectuais americanos (e um
tanto pedantes) de seus filmes.
A história de Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) tem Dostoiévski, ópera, museus e galerias
-até cinema. Nascido pobre e
em Dublin, Chris é o sujeito tenaz
que prosperou como tenista profissional menos do que o necessário para se tornar uma estrela,
mas o suficiente para, hoje, na
condição de ex-tenista, ser aceito
na alta roda londrina e aproximar-se de Chloe (Emily Mortimer), a herdeira rica, simpática e
um tanto insossa com quem vai
casar.
Mas a origem parece chamá-lo
na pessoa de Nola Rice (Scarlett
Johansson), americana sensual,
um tanto grosseira e muito
atraente, que realmente o inflama.
E Nola é, quando o filme começa,
a futura cunhada de Chris -está
noiva de Tom Hewett (Matthew
Goode), irmão de Chloe.
A história é um tanto intrincada, desigual, comporta vários
tons, evoluindo com franqueza
para o filme policial "noir" no terço final -a parte mais bem-sucedida do filme. E por que será ela a
parte mais bem-sucedida? Talvez
porque nesse momento entre
num registro bem americano e
deixe a Europa e sua cultura um
pouco sossegadas.
Essa parte policial amarra os
grandes temas do filme, como a
idéia manifestada por Chris de vivermos num mundo trágico, em
que o acaso é peça central da existência. Ele é também o homem
que procura proteger a família de
todos os males que possam atingi-la. É ainda, operisticamente, alguém que corre em busca de sua
perda e corteja o mal com a mesma intensidade que busca ascender socialmente. (Fora isso, como
em alguns Woody Allens, está envolvido num triângulo amoroso
um tanto incestuoso).
Tamanha amplitude de personalidade curiosamente não beneficia o conjunto do filme, por uma
série de razões, a começar pelo fato de que os demais personagens
parecem antes de tudo apêndices
parciais de suas contraditórias
ambições e só vivem o indispensável para gravitar em torno dele.
Em segundo lugar porque, à
força de ser tentacular, o caráter
de Chris oscila entre a frieza demoníaca e a paixão adolescente,
conforme convenha ao roteiro.
Talvez por isso mesmo, é quando o filme se torna um franco policial, em que essas coisas perdem
importância, que Allen coloca o
espectador em posição de torcer
pelo personagem sinistro -assim como um Billy Wilder fizera
em "Pacto de Sangue"-, e o faz
com desenvoltura e graça.
Mesmo quem notar alguma falta de rigor no fechamento da trama não lhe poderá condenar por
falta de coerência: tudo está nas
mãos do acaso, como sustenta o
cínico Chris Wilton. E, no fim das
contas, mesmo que o lado europeizante o atrapalhe, Allen faz um
filme que se assiste com prazer
-como é, aliás, de seu feitio.
Avaliação:
Texto Anterior: Woody no divã: Críticos lançam visões diferentes para "Ponto Final" Próximo Texto: Cássio Starling Carlos: Diretor brilha em parábola trágica sobre a sorte e o acaso da vida Índice
|