São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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Diretor brilha em parábola trágica sobre a sorte e o acaso da vida

CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A vida é trágica ou cômica? A pergunta que se faziam os amigos no bar era respondida em tom de farsa na história de "Melinda e Melinda", filme anterior de Woody Allen. Diante da mesma questão, o tenista Chris Wilton, protagonista deste "Ponto Final - Match Point" não vacila -escolhe a primeira opção.
De fato, o que Allen propõe e demonstra neste seu último filme, com uma densidade inesperada, é que tudo o que parece ser uma escolha, não é. Sorte, acaso e jogo são algumas das metáforas que transitam ao longo da narrativa. Mas ele reitera, sempre voltando à questão de "Melinda e Melinda", que, numa partida, para ganhar é preciso perder e que nem um jogo de dados abolirá o acaso.
Chris Wilton é um herói romanesco, da linhagem daqueles que ganharam a eternidade em obras como "Crime e Castigo" (de Dostoiévski) ou "Uma Tragédia Americana" (de Theodore Dreiser). Como jogador, Chris é uma criatura mimada pela vitória. Só um fator essencial o poupa da soberba: ele acredita na sorte.
O personagem vai dar a Allen a oportunidade de retomar um tema arqueológico da literatura, do teatro e do cinema -a paixão como força trágica, destruidora das seguranças racionais, reiterada aqui com as árias de ópera, que acentuam a emoção e substituem a ligeireza do jazz de outros de seus filmes. Paixão daquela espécie que, no cinema, Truffaut foi grande especialista, como em "As Duas Inglesas e o Amor" e ""A Mulher do Lado", que repercute intensamente em "Ponto Final".
Com uma ambigüidade certeira, o diretor decide a partida. No tênis, Chris está em campo seguro, controla as forças, sabe manipulá-las e é tão regulado que pode desempenhar a função de mestre.
No tênis, ele conhece os irmãos Tom e Chloe, exemplares de uma civilização da sociabilidade sem arestas. Mas é numa mesa de pingue-pongue que seu caminho vai ser bloqueado pela atriz Nola, personagem cujas origens são obscuras e que se aferra a uma ilusão. Numa palavra, instável.
Ambos conjugam um só verbo (to play, em inglês). A diferença é que o jogo de Nola a condena ao fracasso, e Chris, para vencer, se for preciso, vai até o fim.
Em outro momento, quando a paixão abre de vez as portas, Allen antecipa para o espectador a chave do que lhe interessa nesta história. No primeiro beijo sob a chuva, será a vez de Nola interrogar Chris: "Você não tem culpa?".
Ora, estamos postos a partir daí no atalho da paixão que conduz ao crime, mas cuja resolução passará longe das ficções apaziguadoras. Pois o que interessa a Allen não é a solução de um mistério. Solucionado ou não, punido ou não, resta, como uma cicatriz, seu efeito: a culpa.
Já era assim em "Crimes e Pecados", filme anterior em seu currículo e ao qual "Ponto Final" mais se assemelha. Em ambos, a ausência física de Allen pode frustrar o público, que conta com ele para satisfazer a expectativa cômica, mas isso permite ao diretor usar outra força para apertar a corda no pescoço de seus personagens.


Ponto Final - Match Point
Match Point
    
Direção: Woody Allen
Produção: Reino Unido/EUA/Luxemburgo, 2005
Com: Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson, Emily Mortimer
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e circuito


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