São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

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"Tinha de ser desconfortável", diz Boyle

Diretor de "127 Horas" construiu réplicas do local do acidente e filmou quase sem intervalos para criar situação similar à real

Cineasta, que já tentara fazer o longa em 2006, só conseguiu emplacar o projeto após ter ganho o Oscar, em 2009

CHARLES McGRATH
DO "NEW YORK TIMES"

Uma ideia pouco promissora para um filme: um rapaz sai para caminhar sozinho na natureza, prende o braço sob uma pedra enorme em uma fenda no chão e, após cinco dias nos quais acontece pouco exceto algumas alucinações, desprende-se realizando uma atitude extrema (atenção, esta reportagem contém detalhes sobre o desfecho da história).
Por mais improvável que soe -pense em uma versão mais sangrenta e claustrofóbica de "Náufrago" sem a bola de vôlei-, é essa a trama do novo filme de Danny Boyle, "127 Horas", estrelado por James Franco.
O longa, que foi indicado a seis Oscars e estreia amanhã no Brasil, é baseado na experiência real de Aron Ralston, que em 2003 ficou preso no cânion Blue John, em Utah, e em seu livro "127 Horas - Uma Empolgante História de Sobrevivência" (ed. Seoman, 400 pág., a ser lançado no Brasil em março).
Boyle leu o livro e sentiu-se cativado de imediato, embora, segundo ele, tenha pulado os capítulos relativos à vida anterior de Ralston e às missões de resgate.
"Tinha consciência das dificuldades, mas a parte da história que achei mais forte dizia respeito à sensação de estar preso naquele lugar.
Pensei: "O único jeito de mostrar a amputação é virtualmente incentivando o personagem a fazê-la. Você precisa prender o espectador naquela fenda", conta Boyle.

NA CARONA DO OSCAR
O cineasta, que em 2009 venceu o Oscar com "Quem Quer Ser um Milionário", procurou Ralston em 2006 e, inicialmente, foi rejeitado.
"Provavelmente foi melhor assim. Isso foi antes de "Milionário" e não me teriam deixado fazer o filme que eu queria de qualquer maneira.
Às vezes, você precisa ter um pouquinho de sucesso antes -isso faz muita diferença."
A despeito do histórico do diretor, "127 Horas" não foi um filme fácil de fazer, em parte porque Boyle fez questão de criar o equivalente cinematográfico à amputação de um braço.
"Sabia que este filme deveria ser desconfortável", diz.
"Quis um estilo frenético, comprimido, trabalhoso. Era o único jeito de fazermos justiça à história."
Ele eliminou a vida anterior de Ralston, exceto em flashes, o que significa que praticamente não há outros personagens e que a câmera foca James Franco em close virtualmente o tempo inteiro.
E, embora o Parque Nacional Canyonlands, onde a história acontece, seja de uma beleza áspera, o filme dedica pouca atenção à paisagem.
"Quis impedir que fosse um filme calmo sobre a natureza selvagem", explica Boyle. "Pensei nele como um filme urbano. Não há vistas. O sujeito não consegue ver nada. Ele poderia igualmente estar em uma mina."
Ele prossegue: "Dizem que o cinema é escapismo, mas é raro assistirmos a filmes que não sejam ambientados na cidade. Vivemos em cidades e assistimos a filmes sobre a cidade. Não toleramos filmes sobre o campo, no fundo".

SENSAÇÃO REAL
Apesar de o primeiro impulso de Boyle ter sido o de filmar no local dos fatos, ele só o fez por uma semana por conta do tempo e de aquela ser uma locação remota.
Assim, mandou construir duas réplicas em Salt Lake City. Mas, diferentemente da maioria dos sets, que possuem portas ou paredes que se dobram para facilitar o acesso, esses foram construídos propositalmente para que fosse difícil arrastar-se para dentro ou fora deles.
"Quis fazer Franco passar um pouco pela experiência de Aron", explica Boyle, que filmou tudo em pouquíssimo tempo, com boa parte da equipe trabalhando sete dias por semana.
"Nos colocamos sob pressão. Quis criar a sensação de fazer em tempo real, sem a possibilidade de tirar uma folga e refletir sobre aquilo."
O novo projeto de Boyle é uma versão de "Frankenstein" para o palco. Contado do ponto de vista do monstro, o espetáculo já tem ingressos esgotados para suas dez primeiras semanas e será exibido em alguns cinemas do mundo. Depois disso, ele irá comandar a cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2012 em Londres.
"Adoro o inesperado no cinema", diz. "Adoro a sensação de montar algo sem respostas fáceis, de modo que as pessoas fiquem bombardeando você de perguntas."

Tradução de CLARA ALLAIN


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