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Artistas buscam raiz comum no oceano
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é no solo nem no subsolo
das terras africanas que estão as
raízes dos afro-descendentes reunidos na Mostra Pan-Africana de
Arte Contemporânea.
A visão da curadora do evento,
Solange Farkas, e de um de seus
principais artistas, Mario Cravo
Neto, é que o cordão umbilical entre o continente e os filhos que espalhou mundo afora é o mesmo
oceano Atlântico que os separa.
Farkas diz que um dos trabalhos
que nortearam a pesquisa para o
evento foi o estudo "O Atlântico
Negro", de Paul Gilroy, lançado
no Brasil pela editora 34.
O sociólogo inglês lembra que o
conceito de cultura costuma estar
atrelado a palavras como terra
(daí o termo cultivo para as plantações), mas que, para entender a
cultura produzida pelos filhos da
África, é preciso se concentrar na
sua diáspora, no mar que as separa e as une.
Cravo Neto segue a idéia à risca.
Seu "Somewhere over the Rainbow" parte da idéia sufocante da
impossibilidade que os escravos
tinham de ver o mar durante suas
travessias para escancarar um
amplo oceano aos olhos de todos.
"Os escravos conseguiam no
máximo enxergar uma fresta do
mar. Eu arrebento esta fresta e coloco todos no mar", conta.
Como em seus demais trabalhos, desta vez também está presente, de modo mais discreto, o
imaginário das religiões afro-brasileiras. Quem entra no Solar do
Unhão só vê em um primeiro momento as generosas ondas do mar
em movimento. Observando os
visitantes pelas costas, porém, paradas no fundo do museu, estão
duas fotos de elementos míticos
do candomblé. Cânticos do culto
afro-brasileiro retrabalhados por
computador fazem a trilha sonora
da instalação.
"Meu trabalho sempre dialoga
com o sincretismo. Buscar origens puras, raízes africanas, é impossível. É fundamental ver onde
as culturas todas se encontram e
se renovam."
O angolano José Eduardo Agualusa, escritor-sensação da última
Festa Literária Internacional de
Parati, diz que não é só nas memórias que se encontra esse vértice. "O Brasil precisa redescobrir a
África. Essa moderna epopéia dos
redescobrimentos, creio, já começou. Trata-se de uma viagem em
busca não apenas de memórias
mas também, e sobretudo, da cultura viva, contemporânea, de um
continente muito maior do que
aquele que chega ao Brasil pela televisão", expressa.
"O mundo inteiro está percebendo a pujança africana", diz
Farkas. "Só a gente, que tem esse
vínculo de consangüinidade, é
que não vê."
(CEM)
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