São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 2005

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Artistas buscam raiz comum no oceano

DA REPORTAGEM LOCAL

Não é no solo nem no subsolo das terras africanas que estão as raízes dos afro-descendentes reunidos na Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea.
A visão da curadora do evento, Solange Farkas, e de um de seus principais artistas, Mario Cravo Neto, é que o cordão umbilical entre o continente e os filhos que espalhou mundo afora é o mesmo oceano Atlântico que os separa.
Farkas diz que um dos trabalhos que nortearam a pesquisa para o evento foi o estudo "O Atlântico Negro", de Paul Gilroy, lançado no Brasil pela editora 34.
O sociólogo inglês lembra que o conceito de cultura costuma estar atrelado a palavras como terra (daí o termo cultivo para as plantações), mas que, para entender a cultura produzida pelos filhos da África, é preciso se concentrar na sua diáspora, no mar que as separa e as une.
Cravo Neto segue a idéia à risca. Seu "Somewhere over the Rainbow" parte da idéia sufocante da impossibilidade que os escravos tinham de ver o mar durante suas travessias para escancarar um amplo oceano aos olhos de todos.
"Os escravos conseguiam no máximo enxergar uma fresta do mar. Eu arrebento esta fresta e coloco todos no mar", conta.
Como em seus demais trabalhos, desta vez também está presente, de modo mais discreto, o imaginário das religiões afro-brasileiras. Quem entra no Solar do Unhão só vê em um primeiro momento as generosas ondas do mar em movimento. Observando os visitantes pelas costas, porém, paradas no fundo do museu, estão duas fotos de elementos míticos do candomblé. Cânticos do culto afro-brasileiro retrabalhados por computador fazem a trilha sonora da instalação.
"Meu trabalho sempre dialoga com o sincretismo. Buscar origens puras, raízes africanas, é impossível. É fundamental ver onde as culturas todas se encontram e se renovam."
O angolano José Eduardo Agualusa, escritor-sensação da última Festa Literária Internacional de Parati, diz que não é só nas memórias que se encontra esse vértice. "O Brasil precisa redescobrir a África. Essa moderna epopéia dos redescobrimentos, creio, já começou. Trata-se de uma viagem em busca não apenas de memórias mas também, e sobretudo, da cultura viva, contemporânea, de um continente muito maior do que aquele que chega ao Brasil pela televisão", expressa.
"O mundo inteiro está percebendo a pujança africana", diz Farkas. "Só a gente, que tem esse vínculo de consangüinidade, é que não vê." (CEM)


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