São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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NELSON ASCHER

Dinheiro, poder e sexo


Chegar ao topo da política implica não só correr riscos como gostar de arriscar

TRATA-SE do escândalo sexual e político do ano, pelo menos até agora. É o caso clássico de um homem público envolvido com prostitutas, um homem que havia sido encarregado de, zelando pela moral e pelos bons costumes, moralizar a vida das pessoas, evitar que as mulheres fossem usadas como mercadoria e proteger a sociedade do vício. Esse hipócrita que, em nome disso, punira e humilhara tantos outros, o cruzado que conquistara sua posição devido à reputação que granjeara ao implementar tais princípios, foi flagrado perpetrando escancaradamente os crimes cuja erradicação lhe fora confiada.
O homem que, assumindo a missão de impor o recato às mulheres de sua jurisdição, supervisionava-lhes a privacidade, alguém que considerava o adultério um delito capaz de abalar os pilares da nação, enfim, o chefe de polícia de Teerã, capital do Irã, foi pego no meio de uma orgiazinha privada com seis prostitutas, todo mundo nu, demitido, encarcerado e solto após o pagamento de fiança. Como o comandante Reza Zarei era um protegido do presidente Ahmadinejad, a história foi de início abafada, mas, graças à internet, acabou vazando.
De repente me ocorreu que alguns leitores poderiam estar pensando que eu me referia a Eliot Spitzer, o governador do Estado de Nova York. Pensando bem, o que vai acima, com certa "adaptação" cultural e cambial, vale igualmente para ele.
A "adaptação" cambial é, de longe, a mais importante porque, considerando o desastroso estado econômico do Irã, as travessuras perdulariamente viris do comandante Zarei, a preços nova-iorquinos extorsivos como os do Emperor's Club VIP (US$ 5.500 por hora x seis moças x a noite inteira), quebrariam o país em poucos meses.
Malgrado as suspeitas de ter se divertido a expensas do erário, Spitzer, filho de um "self-made man", um imigrante judeu que se tornou multimilionário, não tem esse problema. Mas é o único que não tem.
Os detalhes do escândalo que lhe custou o governo de Nova York foram mais que bem comentados. O caráter polêmico do protagonista, no entanto, é menos conhecido fora dos Estados Unidos.
Formado em direito em Harvard, ele fez carreira e fama como um agressivo promotor de Justiça especializado em perseguir altos executivos de Wall Street. Sempre cercando seus casos de ampla publicidade, ele se proclamava um paladino do cidadão comum que combatia a ganância dos "peixões" (fat cats). Intimidação, insinuações, vazamento seletivo de informações para repórteres que o apoiassem, a ameaça de processos que não ganharia, mas cuja abertura em si bastava para abalar a credibilidade de tal ou qual empresa. É com recursos assim, potencializados por uma retórica populista que dominava melhor do que se esperaria do magnata médio, e que apelava desabridamente à inveja de muitos, que ele converteu vitórias jurídicas num trampolim tão eficaz rumo ao sucesso político que não faltavam prognósticos segundo os quais viria a ser o primeiro presidente judeu dos Estados Unidos.
Democrata e aliado de Hillary Clinton (que, com ele, perde um "superdelegado"), era detestado pelos republicanos e amado pela esquerda de seu partido, uma esquerda cuja grande frustração é a de nunca ter convencido a maioria dos conterrâneos a, abandonando as esperanças de ascensão social pelos próprios esforços, conceber a realidade de acordo com a premissa da luta de classes.
Uma das chaves do sucesso americano, a visão peculiar de mundo avessa à inevitabilidade do conflito entre os ricos e os (relativamente) pobres talvez explique, também, por que o país segue abominado pelos que pretendem redimir a humanidade, seja através da utopia revolucionária, seja mediante o paternalismo estatal.
Se a tendência entre os povos "maduros" do planeta é a de condenar o "puritanismo provinciano" que teria feito Spitzer pagar demasiado caro por "escapadinhas" inocentes, convém lembrar que ele sucumbiu ao tipo de restrições e vigilância que impunha a inimigos ou rivais e que um direito que não tinha era o de desconhecer as regras do jogo no qual triunfara.
Como explicar, porém, um erro tão palmar? Nada mais competitivo do que a política, e chegar ao seu topo implica não só correr riscos como gostar de arriscar. Meu primeiro chefe, Oswaldo Peralva, dizia que dinheiro, poder e sexo seduzem todo e qualquer homem. Ambos, o ex-governador Spitzer e, em outro ambiente cambial, o ex-comandante Zarei, dispunham à vontade dos dois primeiros. O que é que lhes faltava?
Só resta concordar com as mulheres mais pessimistas: americanos ou iranianos, muçulmanos ou judeus, os homens são mesmo todos iguais.


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