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NELSON ASCHER
Dinheiro, poder e sexo
Chegar ao topo da política implica não só correr riscos como gostar de arriscar
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TRATA-SE do escândalo sexual e
político do ano, pelo menos
até agora. É o caso clássico de
um homem público envolvido com
prostitutas, um homem que havia
sido encarregado de, zelando pela
moral e pelos bons costumes, moralizar a vida das pessoas, evitar que as
mulheres fossem usadas como mercadoria e proteger a sociedade do vício. Esse hipócrita que, em nome
disso, punira e humilhara tantos outros, o cruzado que conquistara sua
posição devido à reputação que
granjeara ao implementar tais princípios, foi flagrado perpetrando escancaradamente os crimes cuja erradicação lhe fora confiada.
O homem que, assumindo a missão de impor o recato às mulheres
de sua jurisdição, supervisionava-lhes a privacidade, alguém que considerava o adultério um delito capaz
de abalar os pilares da nação, enfim,
o chefe de polícia de Teerã, capital
do Irã, foi pego no meio de uma orgiazinha privada com seis prostitutas, todo mundo nu, demitido, encarcerado e solto após o pagamento
de fiança. Como o comandante Reza
Zarei era um protegido do presidente Ahmadinejad, a história foi de início abafada, mas, graças à internet,
acabou vazando.
De repente me ocorreu que alguns
leitores poderiam estar pensando
que eu me referia a Eliot Spitzer, o
governador do Estado de Nova
York. Pensando bem, o que vai acima, com certa "adaptação" cultural
e cambial, vale igualmente para ele.
A "adaptação" cambial é, de longe,
a mais importante porque, considerando o desastroso estado econômico do Irã, as travessuras perdulariamente viris do comandante Zarei, a
preços nova-iorquinos extorsivos
como os do Emperor's Club VIP
(US$ 5.500 por hora x seis moças x a
noite inteira), quebrariam o país em
poucos meses.
Malgrado as suspeitas de ter se divertido a expensas do erário, Spitzer, filho de um "self-made man",
um imigrante judeu que se tornou
multimilionário, não tem esse problema. Mas é o único que não tem.
Os detalhes do escândalo que lhe
custou o governo de Nova York foram mais que bem comentados. O
caráter polêmico do protagonista,
no entanto, é menos conhecido fora
dos Estados Unidos.
Formado em direito em Harvard,
ele fez carreira e fama como um
agressivo promotor de Justiça especializado em perseguir altos executivos de Wall Street. Sempre cercando
seus casos de ampla publicidade, ele
se proclamava um paladino do cidadão comum que combatia a ganância dos "peixões" (fat cats). Intimidação, insinuações, vazamento seletivo de informações para repórteres
que o apoiassem, a ameaça de processos que não ganharia, mas cuja
abertura em si bastava para abalar a
credibilidade de tal ou qual empresa.
É com recursos assim, potencializados por uma retórica populista que
dominava melhor do que se esperaria do magnata médio, e que apelava
desabridamente à inveja de muitos,
que ele converteu vitórias jurídicas
num trampolim tão eficaz rumo ao
sucesso político que não faltavam
prognósticos segundo os quais viria
a ser o primeiro presidente judeu
dos Estados Unidos.
Democrata e aliado de Hillary
Clinton (que, com ele, perde um "superdelegado"), era detestado pelos
republicanos e amado pela esquerda
de seu partido, uma esquerda cuja
grande frustração é a de nunca ter
convencido a maioria dos conterrâneos a, abandonando as esperanças
de ascensão social pelos próprios esforços, conceber a realidade de acordo com a premissa da luta de classes.
Uma das chaves do sucesso americano, a visão peculiar de mundo
avessa à inevitabilidade do conflito
entre os ricos e os (relativamente)
pobres talvez explique, também, por
que o país segue abominado pelos
que pretendem redimir a humanidade, seja através da utopia revolucionária, seja mediante o paternalismo estatal.
Se a tendência entre os povos
"maduros" do planeta é a de condenar o "puritanismo provinciano"
que teria feito Spitzer pagar demasiado caro por "escapadinhas" inocentes, convém lembrar que ele sucumbiu ao tipo de restrições e vigilância que impunha a inimigos ou rivais e que um direito que não tinha
era o de desconhecer as regras do jogo no qual triunfara.
Como explicar, porém, um erro
tão palmar? Nada mais competitivo
do que a política, e chegar ao seu topo implica não só correr riscos como
gostar de arriscar. Meu primeiro
chefe, Oswaldo Peralva, dizia que dinheiro, poder e sexo seduzem todo e
qualquer homem. Ambos, o ex-governador Spitzer e, em outro ambiente cambial, o ex-comandante
Zarei, dispunham à vontade dos dois
primeiros. O que é que lhes faltava?
Só resta concordar com as mulheres mais pessimistas: americanos ou
iranianos, muçulmanos ou judeus,
os homens são mesmo todos iguais.
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