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GASTRONOMIA
Particularidades do bacalhau a martelo
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Este bacalhau do martelo do
concurso Bacalhau de Ouro
deu o que falar. Foi parar até num
livro francês de Odile Godard, que
é muito chegada a livros de comidas afrodisíacas, sabe-se lá, o bacalhau a martelo pode ter outras
virtudes. E o próprio Osório, no
seu restaurante da Bahia, anda fazendo sucesso, virou point.
Eia, Osório, cuidado com a fama, olho na comida, no ingrediente e no freguês, senão um dia
a casa cai! Conselho de velha que
viu a vida passar!
Um leitor que come de tudo e
muito bem e que me dá a honra
de mandar cartas em que conta
suas aventuras comilonas, me
manda a receita, assim por cima
(mas é assim por cima que se faz
bacalhau, nada de frescuras de receitas muito certinhas), do seu bacalhau a martelo, parecido com o
outro, mas com as diferenças que
um bacalhau tem por bem ter, de
casa em casa, assim gravando sua
identidade de peixe nobre. Vamos ao leitor:
"Nina, ao escrever sobre a vitória de Osório Valente, com o bacalhau a Martelo, no concurso O
Bacalhau de Ouro, você o trouxe
de volta à minha memória papilar
-é esta uma das ativadoras das
demais, entre as quais a auditiva,
a visual, e por aí uma porção de
coisas.
Exatamente no domingo estávamos um grupo de baianos em
volta do tabuleiro de Noêmia, debaixo de um sombreiro, no ensolarado aterro do Flamengo, conversando sobre coisas da cidade
do são Salvador e também sobre o
Recôncavo. Conversas puxadas
não apenas pelo senhor acarajé de
Noêmia como por uns seis ou oito
siris -não sei se de mangue ou de
proa- cozidos, trazidos por um
dos fregueses e compadre de Noêmia.
Conversa vai, modo de educar,
gosto de comer, conversa vem,
palmatórias e eis que o baiano que
trouxe os siris fala da preferência
do pai dele. Coincidentemente
também a do meu irmão mais velho -éramos 17 lá em Santo
Amaro da Purificação: bacalhau
de martelo, ou do martelo, ou a
martelo, o fato é que dia em que
meu irmão queria bacalhau daquele jeito fagueiro era motivo de
festa na casa.
E o mesmo acontecia na casa do
homem do siri, tal o entusiasmo e
a luminosidade que transbordou
da cara do sujeito.
Não hesitei em perguntar como
é que o bacalhau era feito na casa
dele. Do mesmo modo simples
que na minha, mas diferente da
forma do Osório: depois de dessalgado, a parte alta (lombo) do
peixe era assada na brasa. Depois
disso, e livre de toda e qualquer
espinha, desfiado em lascas médias e, democraticamente, reunido com cebola, pimentão, tomate,
pimenta-de-cheiro (esta a gosto)
e coentro, picados e temperados
com vinagre, um pingo d'água e
azeite Galo. Galo, sim, porque naqueles tempos de globalização tíbia ainda não havia esses azeites
extravirgens, que ampliaram em
muito a nossa escolha. Tudo isso
ia ao forno.
Arroz agulhinha soltinho e
branquinho e um feijão-de-corda
cozido em água, sal e alfavaca,
eram os acompanhamentos perfeitos para o bacalhau a martelo.
À medida que o peixe começava
a ser assado, também era dado
início a um rol de perfumes vários
e cumulativos na casa: o do feijão
que estava acabando de fazer, o da
cebola, que às vezes faz chorar, o
do coentro, com sua nobre ajuda
ao acender o apetite e o do azeite
doce, cujo dom é o de ampliar a
sedução dos sabores.
Agora que escrevo isso, também
sou capaz de sentir o leve cheiro
de Phebo (aquele âmbar), que vinha como quem quisesse anunciar que o almoço ia sair, uma vez
que meu irmão mais velho
-nosso pai já não estava mais
entre nós- tinha acabado de tomar o banho para chegar cheiroso
naquela hora sempre tão divina, a
de comer.
Ele comia sem camisa e quem
exalava o último cheiro da partida
para o deleite geral era a aguardente, que lá em casa sempre era
Birita. Assim mesmo, com caixa
alta no B de Bahia. E de Bacalhau.
Mas que apenas merece maiúscula quando bem-feito como o fazia,
soberbamente, nossa mãe, Hildeth. Dete de Bemzinho para os
íntimos".
Obrigada, Edmilson Oliveira da
Silva. Sua receita é boa e simples,
volte sempre e não aguento esperar chegar o Dia de Finados para
contar como foi que vocês festejaram sua mãe no dia do velório dela. Com todo o respeito. Um abraço da Nina.
ninahort@uol.com.br
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