São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Inspirado nos europeus, filme escapa do sentimentalismo

THIAGO STIVALETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em uma cena de "A Lula e a Baleia", Bernard Berkman, o professor vivido por Jeff Daniels, encena para a mulher, Joan (Laura Linney), o final trágico e inesperado de Jean-Paul Belmondo em "Acossado" (1959), de Godard. Essa e outras referências indicam que estamos num tipo raro de filme americano, de um diretor que conhece a vanguarda do cinema europeu dos anos 60.
O diretor Noah Baumbach é co-roteirista de "A Vida Marinha de Steve Zissou", de Wes Anderson, e, como ele, investe numa abordagem original, num estranhamento que foge das regras convencionais do grande cinema para construir um drama familiar enriquecido com pitadas de sarcasmo.
Baumbach pega uma história aparentemente banal, inspirada em sua própria infância: um casal decide se separar, e os dois filhos, Walt, 16, e Frank, 12, tentam reconstruir suas identidades depois que suas vidas são viradas de cabeça para baixo, com um revezamento frenético entre a casa do pai e da mãe, confissões inesperadas dos motivos da separação e o novo comportamento que os pais adotam, namorando ou flertando com pessoas mais jovens.
É aí que as referências ao cinema europeu mostram não ser gratuitas. Como Godard e os demais cineastas da nouvelle vague, Baumbach busca uma abordagem mais racional, despida de sentimentalismos que aproximem seu filme do melodrama. Os embates entre os integrantes da família e aqueles que os circundam são inesperados e muitas vezes ríspidos. As coisas nunca terminam onde deveriam terminar.
Walt e Frank não são vítimas indefesas da crueldade e da indiferença de pais egocêntricos. Os pais se importam, querem minimizar os problemas dos filhos, mas eles vão se virar como podem e reagir de maneiras inesperadas. O desfecho aberto remete a "A Doce Vida", de Fellini, e à incapacidade de seus personagens de se compreender por completo e de buscar um sentido lógico para vidas que transcorrem em meio ao caos humano.
"A Lula e a Baleia" é um filme que exige abertura de espírito e uma disposição para brincar com os gêneros. Ganhou três indicações ao Globo de Ouro: filme comédia, ator e atriz. O Oscar, afeito ao conservadorismo e aos gêneros rígidos, só reservou-lhe uma indicação a roteiro original.


A Lula e a Baleia
The Squid and the Whale
    Direção: Noah Baumbach Produção: EUA, 2005 Com: Jeff Daniels, Laura Linney Onde: nos cines Bombril, Cineclube Vitrine, Espaço Unibanco e Sala UOL



Texto Anterior: Nelson Ascher
Próximo Texto: Cinema: Baumbach lembra experiência da separação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.