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Crítica/"Dona Flor e Seus Dois Maridos"
Montagem de "Dona Flor" cria leitura própria
Peça de Pedro Vasconcellos tem boas alternativas em sua dramaturgia
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Transformar mitos já
bem conhecidos por
antigas narrativas em
dramas e comédias é um ponto
de partida tradicional do teatro. O espetáculo "Dona Flor e
Seus Dois Maridos" enfrenta o
duplo desafio de materializar
na cena um dos romances mais
populares de Jorge Amado, e de
fazê-lo depois de uma versão cinematográfica vitoriosa.
Um mérito indiscutível da
montagem, que chega a um palco de São Paulo depois de arrebatar plateias em todo país, é o
de ter encontrado caminhos
próprios ao teatro para contar a
irresistível história de Dona
Flor, a quituteira dividida entre
o céu e o inferno.
A dualidade típica do teatro
medieval -inconciliável em
sua perspectiva moralizante-
é subvertida na saga criada por
Jorge Amado. Superam-se os
aparentes impasses insolúveis
de uma sociedade conservadora, a Bahia dos anos 40, graças a
uma engenhosa proposição: vivos e mortos poderão conviver,
cada um com seu devido quinhão, em nome da felicidade da
heroína.
Indefinição de gênero
A saída mágica proposta por
Amado cai como uma luva na
estrutura da comédia de costumes, gênero que a montagem
abraça parcialmente.
Ao mesmo tempo em que há
a crítica a uma moral estreita,
desenvolvida em chave realista
e cômica, há também um registro de farsa que evoca personagens típicos e elementos folclóricos. Essa indefinição de gêneros, que se intensifica quando
os números musicais se insinuam sem, de fato, se imporem,
não chega a comprometer o espetáculo. Transparece mais negativamente em algumas interpretações, que beiram a caricatura, e alcança verdadeiro brilho em certas soluções cênicas,
como quando um improvisado
teatro de sombras evoca as milenares imagens fálicas dos vasos gregos.
O ponto alto da encenação é
mesmo a dramaturgia, ou as alternativas dramáticas que o diretor e adaptador Pedro Vasconcellos encontrou.
Diante da dificuldade de contar a história de Dona Flor sem
abdicar do realismo, mas tendo
de dar conta de sua dimensão
lúdica, ele equilibrou cenas dialogadas e momentos corais para encadear a trama.
Quando no final, Vadinho, o
marido morto e redivivo, expõe
à ex-esposa as razões e desrazões de sua presença ausente,
ou vice-versa, alcança-se um
belo momento teatral, em que
as palavras emergem do enredo
e dão pleno sentido ao mundo
efêmero ali apresentado.
Marcelo Faria -que, além de
encarnar Vadinho, participa da
adaptação- está bem à vontade no personagem. Dribla a
complicada situação de ficar a
maior parte do tempo nu com
muita naturalidade, o que colabora para que, depois de morto,
sua invisibilidade diante dos
outros personagens pareça verossímil.
Duda Ribeiro se mostra seguro e preciso no personagem do
segundo marido, o farmacêutico bom de alma e ruim de cama.
E Carol Castro, se surpreende sustentando a personagem
de Dona Flor em sua trajetória
ondulante e ambígua, não chega a se descolar do tipo da ingênua, o que de algum modo a limita. Merece destaque, ainda, a
cenografia leve e sugestiva.
Atende às necessidades do espetáculo e enche os olhos do
público.
DONA FLOR E SEUS
DOIS MARIDOS
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às
18h; até 14/6
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, São
Paulo, tel. 0/xx/11/3662-7233)
Quanto: R$ 80
Classificação: não indicada a menores
de 16 anos
Avaliação: bom
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