São Paulo, sexta-feira, 17 de abril de 2009

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Crítica/"Dona Flor e Seus Dois Maridos"

Montagem de "Dona Flor" cria leitura própria

Peça de Pedro Vasconcellos tem boas alternativas em sua dramaturgia

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Transformar mitos já bem conhecidos por antigas narrativas em dramas e comédias é um ponto de partida tradicional do teatro. O espetáculo "Dona Flor e Seus Dois Maridos" enfrenta o duplo desafio de materializar na cena um dos romances mais populares de Jorge Amado, e de fazê-lo depois de uma versão cinematográfica vitoriosa.
Um mérito indiscutível da montagem, que chega a um palco de São Paulo depois de arrebatar plateias em todo país, é o de ter encontrado caminhos próprios ao teatro para contar a irresistível história de Dona Flor, a quituteira dividida entre o céu e o inferno.
A dualidade típica do teatro medieval -inconciliável em sua perspectiva moralizante- é subvertida na saga criada por Jorge Amado. Superam-se os aparentes impasses insolúveis de uma sociedade conservadora, a Bahia dos anos 40, graças a uma engenhosa proposição: vivos e mortos poderão conviver, cada um com seu devido quinhão, em nome da felicidade da heroína.

Indefinição de gênero
A saída mágica proposta por Amado cai como uma luva na estrutura da comédia de costumes, gênero que a montagem abraça parcialmente.
Ao mesmo tempo em que há a crítica a uma moral estreita, desenvolvida em chave realista e cômica, há também um registro de farsa que evoca personagens típicos e elementos folclóricos. Essa indefinição de gêneros, que se intensifica quando os números musicais se insinuam sem, de fato, se imporem, não chega a comprometer o espetáculo. Transparece mais negativamente em algumas interpretações, que beiram a caricatura, e alcança verdadeiro brilho em certas soluções cênicas, como quando um improvisado teatro de sombras evoca as milenares imagens fálicas dos vasos gregos.
O ponto alto da encenação é mesmo a dramaturgia, ou as alternativas dramáticas que o diretor e adaptador Pedro Vasconcellos encontrou. Diante da dificuldade de contar a história de Dona Flor sem abdicar do realismo, mas tendo de dar conta de sua dimensão lúdica, ele equilibrou cenas dialogadas e momentos corais para encadear a trama. Quando no final, Vadinho, o marido morto e redivivo, expõe à ex-esposa as razões e desrazões de sua presença ausente, ou vice-versa, alcança-se um belo momento teatral, em que as palavras emergem do enredo e dão pleno sentido ao mundo efêmero ali apresentado.
Marcelo Faria -que, além de encarnar Vadinho, participa da adaptação- está bem à vontade no personagem. Dribla a complicada situação de ficar a maior parte do tempo nu com muita naturalidade, o que colabora para que, depois de morto, sua invisibilidade diante dos outros personagens pareça verossímil.
Duda Ribeiro se mostra seguro e preciso no personagem do segundo marido, o farmacêutico bom de alma e ruim de cama. E Carol Castro, se surpreende sustentando a personagem de Dona Flor em sua trajetória ondulante e ambígua, não chega a se descolar do tipo da ingênua, o que de algum modo a limita. Merece destaque, ainda, a cenografia leve e sugestiva. Atende às necessidades do espetáculo e enche os olhos do público.


DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS

Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 18h; até 14/6
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, São Paulo, tel. 0/xx/11/3662-7233)
Quanto: R$ 80
Classificação: não indicada a menores de 16 anos
Avaliação: bom



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