São Paulo, sábado, 17 de abril de 2010

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Escritor despreza o Rimbaud adulto

Livro dá pouco destaque aos anos finais do poeta, época em que traficou armas na África e era, para White, ganancioso

Em entrevista, americano defende que ambiguidade da obra e colorido da vida manterão aceso interesse por menino-prodígio francês


France Presse
Apresentada anteontem no Salão de Livros Antigos, em Paris, foto foi tirada em 1880 num hotel de Áden, no Iêmen, quando o poeta tinha 26 anos; a imagem foi encontrada num mercado de pulgas

DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 20 anos, Rimbaud já tinha abandonado a literatura. Construiu sua obra dos 15 aos 19 anos e de repente guinou sua vida até se fixar em Áden, atual Iêmen, base da empresa para a qual trabalhou como mercador de café, marfim, peles etc. Foi enviado a Harar, Etiópia, circulou pela África, traficou armas.
Era um outro homem, sisudo, trabalhador e envergonhado do passado. Este Rimbaud é explorado brevemente por Edmund White em seu livro. Em entrevista, o autor diz que preferiu priorizar o poeta ao adulto ganancioso e insensível.
Autor de biografias de Jean Genet e Marcel Proust, de romances autobiográficos em que aborda sua homossexualidade, o americano White viveu por 16 anos em Paris, período em que se baseou para escrever o "O Flâneur", roteiro lírico-sentimental da cidade onde nasceu o romance entre Rimbaud e Verlaine. (FABIO VICTOR)

 

FOLHA - O sr. já disse que hoje considera Rimbaud "menos heroico como pessoa, mas talvez ainda mais interessante como escritor". O que lhe levou a essa avaliação?
EDMUND WHITE
- Comparado ao mítico Rimbaud que eu idolatrava meio século atrás, quando era um adolescente, o Rimbaud que descobri ao escrever sobre ele é um escritor engenhoso, original e iconoclasta que elaborava seus versos de três diferentes modos: romântico no estilo de [Victor] Hugo; simbolista no estilo completamente inovador de "Uma Temporada no Inferno"; e inteiramente original na prosa poética e nas visões de indiferente distopia de "Iluminações".

FOLHA - Qual a melhor idade para idolatrar Rimbaud? E qual a melhor idade para compreendê-lo?
WHITE
- Acho que existe um Rimbaud para qualquer idade. O rebelde e diabólico agrada aos adolescentes; o grande artista fala ao leitor maduro; a figura trágica atrai homens e mulheres mais velhos.

FOLHA - Rimbaud, tal qual o conhecemos, teria existido sem Verlaine? E haveria Verlaine sem Rimbaud?
WHITE
- Verlaine já existia como um poeta melancólico e altamente musical antes de Rimbaud, mas seu trabalho adquiriu urgência autobiográfica e audácia técnica sob a influência dele. Rimbaud admirava Verlaine antes de conhecer o poeta mais velho, mas, temos de lembrar, já havia escrito "O Barco Ébrio", um de seus mais importantes poemas, antes de tê-lo encontrado. Entretanto, o atormentado caso de amor entre eles abasteceu a obscura força narrativa de "Uma Temporada no Inferno".

FOLHA - Como o projeto de "desregramento de todos os sentidos", com haxixe e absinto, influenciou a trajetória de Rimbaud?
WHITE
- Esse projeto, já familiar à vida e à obra de Baudelaire e de Coleridge, proveu Rimbaud da distância necessária do universo provinciano, burguês e católico da vila de sua mãe [no interior da França] e permitiu a renovação de uma linguagem poética que se tornara enfraquecida com os parnasianos.

FOLHA - Por que o sr. priorizou o Rimbaud adolescente e pouco abordou seus últimos anos, como traficante de armas?
WHITE
- Eu estava interessado em Rimbaud como escritor, não como traficante de armas. Em suas cartas da África ele surge como um materialista ganancioso, indiferente ao sofrimento humano e incapaz de afeição, focado apenas em sua ânsia por dinheiro. Sua autocomiseração também é imensa.

FOLHA - A grande influência que Rimbaud exerce na cultura ocidental deve ser atribuída mais à sua obra poética ou à sua vida aflitiva -se é que é possível separá-los?...
WHITE
- Rimbaud inventou o poema obscuro. Antes dele quase todo poema podia ser decifrado com paciência bastante. Mas a ambiguidade que repousa no coração da poesia de Rimbaud permite que ele seja considerado um visionário, um católico, um socialista, um esteta, um ativista gay e por aí vai. Essa infinitude, junto com a violência e o colorido de sua lenda pessoal, sempre atrairão leitores de todos os tipos.


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