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Escritor despreza o Rimbaud adulto
Livro dá pouco destaque aos anos finais do poeta, época em que traficou armas na África e era, para White, ganancioso
Em entrevista, americano
defende que ambiguidade da obra e colorido da vida manterão aceso interesse por menino-prodígio francês
France Presse
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Apresentada anteontem no Salão de Livros Antigos, em Paris, foto foi tirada em 1880 num hotel de Áden, no Iêmen, quando o poeta tinha 26 anos; a imagem foi encontrada num mercado de pulgas
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 20 anos, Rimbaud já tinha abandonado a literatura.
Construiu sua obra dos 15 aos
19 anos e de repente guinou sua
vida até se fixar em Áden, atual
Iêmen, base da empresa para a
qual trabalhou como mercador
de café, marfim, peles etc. Foi
enviado a Harar, Etiópia, circulou pela África, traficou armas.
Era um outro homem, sisudo, trabalhador e envergonhado do passado. Este Rimbaud é
explorado brevemente por Edmund White em seu livro. Em
entrevista, o autor diz que preferiu priorizar o poeta ao adulto
ganancioso e insensível.
Autor de biografias de Jean
Genet e Marcel Proust, de romances autobiográficos em
que aborda sua homossexualidade, o americano White viveu
por 16 anos em Paris, período
em que se baseou para escrever
o "O Flâneur", roteiro lírico-sentimental da cidade onde
nasceu o romance entre Rimbaud e Verlaine.
(FABIO VICTOR)
FOLHA - O sr. já disse que hoje considera Rimbaud "menos heroico como pessoa, mas talvez ainda mais
interessante como escritor". O que
lhe levou a essa avaliação?
EDMUND WHITE - Comparado ao
mítico Rimbaud que eu idolatrava meio século atrás, quando
era um adolescente, o Rimbaud
que descobri ao escrever sobre
ele é um escritor engenhoso,
original e iconoclasta que elaborava seus versos de três diferentes modos: romântico no
estilo de [Victor] Hugo; simbolista no estilo completamente
inovador de "Uma Temporada
no Inferno"; e inteiramente
original na prosa poética e nas
visões de indiferente distopia
de "Iluminações".
FOLHA - Qual a melhor idade para
idolatrar Rimbaud? E qual a melhor
idade para compreendê-lo?
WHITE - Acho que existe um
Rimbaud para qualquer idade.
O rebelde e diabólico agrada
aos adolescentes; o grande artista fala ao leitor maduro; a figura trágica atrai homens e
mulheres mais velhos.
FOLHA - Rimbaud, tal qual o conhecemos, teria existido sem Verlaine?
E haveria Verlaine sem Rimbaud?
WHITE - Verlaine já existia como um poeta melancólico e altamente musical antes de Rimbaud, mas seu trabalho adquiriu urgência autobiográfica e
audácia técnica sob a influência
dele. Rimbaud admirava Verlaine antes de conhecer o poeta
mais velho, mas, temos de lembrar, já havia escrito "O Barco
Ébrio", um de seus mais importantes poemas, antes de tê-lo
encontrado. Entretanto, o atormentado caso de amor entre
eles abasteceu a obscura força
narrativa de "Uma Temporada
no Inferno".
FOLHA - Como o projeto de "desregramento de todos os sentidos",
com haxixe e absinto, influenciou a
trajetória de Rimbaud?
WHITE - Esse projeto, já familiar à vida e à obra de Baudelaire e de Coleridge, proveu Rimbaud da distância necessária do
universo provinciano, burguês
e católico da vila de sua mãe [no
interior da França] e permitiu a
renovação de uma linguagem
poética que se tornara enfraquecida com os parnasianos.
FOLHA - Por que o sr. priorizou o
Rimbaud adolescente e pouco abordou seus últimos anos, como traficante de armas?
WHITE - Eu estava interessado
em Rimbaud como escritor,
não como traficante de armas.
Em suas cartas da África ele
surge como um materialista ganancioso, indiferente ao sofrimento humano e incapaz de
afeição, focado apenas em sua
ânsia por dinheiro. Sua autocomiseração também é imensa.
FOLHA - A grande influência que
Rimbaud exerce na cultura ocidental deve ser atribuída mais à sua
obra poética ou à sua vida aflitiva
-se é que é possível separá-los?...
WHITE - Rimbaud inventou o
poema obscuro. Antes dele
quase todo poema podia ser decifrado com paciência bastante.
Mas a ambiguidade que repousa no coração da poesia de Rimbaud permite que ele seja considerado um visionário, um católico, um socialista, um esteta,
um ativista gay e por aí vai. Essa
infinitude, junto com a violência e o colorido de sua lenda
pessoal, sempre atrairão leitores de todos os tipos.
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