Autora de "Persépolis" cria história em quadrinhos que retrata os desejos e os tabus do universo feminino em meio ao fundamentalismo islâmico no Irã

DA REPORTAGEM LOCAL

"Bordados" é o título do novo livro da iraniana Marjane Satrapi, consagrada ao lançar a história em quadrinhos "Persépolis", em que relata o impacto do fundamentalismo islâmico no cotidiano de sua família liberal -e que virou filme de animação premiado em Cannes. Bordados é também o código no Irã para cirurgia de reconstituição do hímen. É a ela que recorrem as iranianas que arriscam ter uma vida sexual antes do casamento num país tomado de machismo e tradições.
É sob esse fundamento que Satrapi discorre sobre os amores, os desejos e as traições que povoam a conversa de qualquer rodinha de mulheres. O interessante é que, ao contrário de um tricotar a la "Sex and the City", ou seja, entre amigas, quem discorre sobre ousadias e medos no campo do sexo são a avó, a mãe e as tias da autora.
Isso porque todo almoço de sua família segue um mesmo ritual: após a refeição, os homens vão para a sesta e as mulheres para o samovar, um chá.
"Todo mundo se reunia em torno dessa bebida para se entregar à nossa atividade predileta: a conversa", escreve Satrapi. "Falar dos outros pelas costas é ventilar o coração", diz sua avó, abrindo os trabalhos. Em seguida, emenda a história da amiga que se entregou a outro antes do casamento. Para simular o sangramento que expõe o fim da virgindade -e mantém a honra-, usou uma lâmina para cortar-se durante as núpcias. Mas acabou é cortando o marido.
E todas caem na risada. A partir daí são costuradas, uma após a outra, histórias de casamentos forçados, de tabus, de investigações sobre a anatomia masculina e de libertações. Na sucessão de "causos", fica evidente que os prazeres e os dissabores femininos são muito parecidos, aqui ou em Teerã. Cada conto, no entanto, explicita, com humor e ironia, um aspecto distinto de uma sociedade marcada pela opressão dos impulsos da mulher. (FERNANDA MENA)