São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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Pop Blair

O governo do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, que acaba em junho, coincide com uma década de renascimento das artes na Inglaterra

Russel Boyce - 13.fev.2003/Reuters
O primeiro-ministro Tony Blair toca guitarra durante visita a uma faculdade, em Sheffield

SYLVIA COLOMBO
THIAGO NEY

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele está indo embora. Até o meio do ano, o herói de uma saga em que a divisão entre bem e mal não é lá muito clara se despedirá dos britânicos e do universo particular de sons e imagens criado por seus encantos.
Pensou em Harry Potter?
Sim, é verdade que a aventura do bruxinho está chegando ao fim, com o lançamento, no dia 21 de julho, do sétimo e último volume da milionária série.
Mas Potter é apenas um dos ícones de uma história maior, que acabará em 27 de junho e que tem como protagonista um personagem mais controverso.
Nesse dia, o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, deixará o posto, após dez anos de governo. O líder trabalhista, que é freqüentemente comparado a Potter pelos modos gentis, ímpeto romântico e sorriso simpático, assumiu o poder em maio de 1997, quebrando a seqüência de 18 anos de gestão conservadora. No mesmo ano em que saiu "Harry Potter e a Pedra Filosofal", a primeira aventura do menino mágico que conquistou o planeta.
A virada não foi apenas política. Já em meados da década de 90, as artes pareciam refletir a euforia pela perspectiva de renovação da sociedade britânica. A cultura arejava-se com o surgimento de talentosos músicos, escritores, artistas plásticos e arquitetos.
Em 1994, Blair assumiu a liderança do partido trabalhista e renovou seu ideário. O objetivo era afastá-lo do socialismo, aproximá-lo do neoliberalismo, mas garantir a tradição de defesa das políticas sociais. Consolidava-se a Terceira Via, e o partido passava a designar-se como "New Labour".
No mesmo ano, saiu o primeiro CD do Oasis, "Definitely Maybe", que marcou a nova explosão do rock das ilhas, rebatizado de "britpop".
Em novembro de 1996, a revista americana "Time" descreveu Londres como "a cidade mais cool do planeta". Pouco depois, a "Vanity Fair" anunciava: "London Swings Again".
No ano em que Blair torna-se primeiro-ministro, surge a exposição "Sensation", um marco da arte contemporânea, que impulsionou a carreira de novos e polêmicos artistas.
Nos "anos Blair", a literatura teve um "boom" de autores das ex-colônias, como Hanif Kureishi, Zadie Smith e Kiran Desai. O interesse pelo multiculturalismo, sempre presente na Inglaterra, ganhou novo fôlego, pois Londres tornou-se ainda mais cosmopolita, recebendo mais imigrantes, muitos oriundos do ex-Leste Europeu.
Para Will Self, um dos autores revelados no período e que estará na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), não há ligação direta entre a chegada de Blair e o novo momento literário, mas sim traços comuns entre os autores surgidos então. "Houve uma rejeição do experimentalismo que era permitido nos anos 80, o fim dos últimos vestígios do modernismo", disse à Folha.
Em 1998, Blair anunciou uma ambiciosa política de subsídios para as artes. Redirecionando dinheiro das loterias, dobrou os investimentos em cultura, conseguindo, entre outras coisas, fazer com que todos os museus nacionais passassem a ser gratuitos. O público, então, aumentou em 75%.
O volumoso aporte também possibilitou o surgimento, em 2000, da imponente Tate Modern, numa antiga estação de força à beira do Tâmisa, e a reforma do British Museum.
Mas, quando Blair começou a ver sua popularidade despencar, depois do apoio à Guerra do Iraque e dos atentados em Londres, em julho de 2005, também os artistas aumentaram o tom de suas críticas.
Um dos principais ataques veio do dramaturgo Harold Pinter, que, ao receber o Nobel de Literatura, no mesmo ano, sugeriu que Blair fosse julgado por crimes de guerra.
O legado cultural de Blair será melhor avaliado com o tempo. Mas a simples enumeração do que rolou nas artes nos anos em que ele esteve no poder parece surpreendente para quem começou a carreira tentando conquistar o público como vocalista de uma banda estudantil chamada Ugly Rumours.


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