São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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Barraco literário agita famílias de autores famosos

Mãe de Michel Houellebecq e irmã de Hanif Kureishi atacam escritores por retratarem parentes em suas obras

Em livro recém-lançado na França, mãe de Houellebecq chama o filho de mentiroso e parasita e diz que ele deveria pedir perdão


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Parente é serpente, e isso vale também para o mundo das letras. Dois casos recentes na Europa mostram que usar a família como fonte de inspiração pode dar boa literatura, mas também muita confusão.
Um barraco é francês e envolve o polêmico Michel Houellebecq. Quem já leu o autor de "Plataforma" (Record) conhece sua prosa sofisticada, iconoclasta, hedonista e com gosto pelo chocante. No best-seller "Partículas Elementares" (Sulina), uma mãe hippie e egoísta é negligente com o filho por causa de uma vida errante em comunidades bizarras e sexo livre com homens mais novos. É um retrato que o autor faz da própria mãe.
Agora, madame Lucie Ceccaldi, 83, resolveu se vingar. Acaba de lançar o livro de memórias "L'Innocente" (a inocente, ed. Scali, 400 págs., 19,90, R$ 52 mais frete), em que parte para o contra-ataque. A polêmica mobilizou a imprensa do país. "Meu filho que vá se f. com quem ele quiser", escreve madame. "Com Michel, pode-se voltar a conversar no dia em que ele vier a público com "Partículas Elementares" na mão e disser: "Sou um mentiroso, impostor, fui um parasita (...) e peço perdão'".
Ceccaldi nasceu na Argélia e mora na ilha francesa Reunião, no Oceano Índico, onde Houellebecq nasceu em... 1958. Errado. Nasceu em 1956, corrige a mãe, que é anestesista de formação, foi militante comunista e narra no livro suas viagens pela África e Índia, entre outras aventuras e problemas de saúde. E que, de fato, relegou o filho na infância para ser criado pelas avós, como "Partículas..." retrata (Houellebecq adotou o sobrenome da avó paterna).
O "enfant terrible" da literatura gaulesa, que deixou o país para fugir das polêmicas (uma delas religiosa, que lhe valeu um processo) e vive em local incerto (ora diz que mora na Irlanda, ora na Espanha), por enquanto não se manifestou.

Hanif Kureishi
A outra confusão acontece do outro lado do Canal da Mancha e envolve Hanif Kureishi, que esteve na Festa Literária Internacional de Parati de 2003. Sua irmã Yasmin Kureishi aproveitou o lançamento do último livro do autor, "Something to Tell You" (algo para te contar, Faber and Faber, 352 págs., 16,99 libras, R$ 55 mais frete), que trata de um psicanalista e suas memórias dos anos 70, para se queixar ao jornal "The Independent" de que o irmão estava se excedendo ao passar uma imagem negativa da família, fartamente representada em seus roteiros e livros.
Para Yasmin, os pais são retratados de forma caricata em "O Buda do Subúrbio" (Cia. das Letras), "para entretenimento do público e lucro dele". Não é só. Um bêbado no filme "Minha Adorável Lavanderia" seria "tio Omar", e a própria Yasmin seria a aspirante a escritora frustrada do filme "The Mother" (a mãe, de 2003). "Minha vida foi assassinada pela causa da arte", diz Yasmin, que não conversa mais com o irmão.


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