|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
63º Festival de Cannes
Woody Allen é fiel a mito em Cannes
Após recusar diversos convites, diretor americano impressiona mais por sua presença em festival do que pelo novo filme
Cineasta, com público cativo na França, fará seu próximo filme em Paris e escalou, para o elenco, a primeira-dama do país, Carla Bruni
ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES (FRANÇA)
No final de "You Will Meet a
Tall Dark Stranger", uma senhora (Gemma Jones) que, depois de ser abandonada pelo
marido (Anthony Hopkins),
passa a crer em reencarnação,
diz, sorridente, ter a certeza de
que em vidas passadas foi uma
francesa. Joana D'Arc, talvez.
Trata-se de outro discreto
afago que Woody Allen, com incorrigível ironia, faz à sua mais
fiel plateia.
A França, especialmente representada pelo Festival de
Cannes, tornou-se, na última
década, o porto onde aquele
que já foi considerado o mais
nova-iorquino dos cineastas
sente-se artisticamente seguro.
Tanto é assim que seu próximo projeto não apenas será filmado em Paris e terá coprodução francesa como trará, no
elenco, a primeira-dama do
país, Carla Bruni. Mas essa relação nem sempre foi assim tão
recíproca.
Se, no último sábado, Allen
ofereceu, durante a entrevista
coletiva do festival, uma performance melhor do que seu
próprio filme, houve tempos
em que suas negativas eram tomadas como algo irreversível
pelos organizadores.
Seu primeiro filme exibido
em Cannes foi "Manhattan",
em 1979. O público "mais blasé
do mundo", na definição de Gilles Jacob, presidente do festival, derreteu-se pelas imagens
em preto e branco e pelo jazz.
O filme, a despeito da ausência do diretor, foi aplaudido por
longos minutos.
"Apesar desse triunfo, toda
vez que tentei convidá-lo para
acompanhar um de seus filmes,
seu entourage sempre respondeu como se fosse seu personagem que falasse: "Espero que
você esteja brincando, papai!'".
A certeza de ausência do diretor não impediu que, em
1985, "A Rosa Púrpura do Cairo" fosse ovacionado no Palais.
Foi apenas em 1991 que Jacob, paparicado por nove entre
dez diretores do mundo, conseguiu conversar com o homem
de aparência frágil e óculos de
aros grossos.
Encontraram-se no Ritz de
Paris, onde o cineasta estava
hospedado, com nome falso,
com Mia Farrow e nove filhos.
Mas não se pense que a conversa transformou-se logo numa vinda ao festival. Mais dez
anos se passaram até que, colocado um pouco de escanteio pela indústria norte-americana,
Allen pusesse fim às recusas.
"Nos Estados Unidos, ele estava perdendo bilheteria e seus
filmes já não se viabilizavam
sem dinheiro de outros lugares.
A Europa tornava-se essencial", diz Jacob, racional na fala,
mas com um sorriso que não
disfarça a veneração.
Pois foi assim que, em 2001,
Allen aceitou abrir Cannes com
"Dirigindo no Escuro".
Recebeu a Palma das Palmas
e disse: "Os franceses me tomam por um intelectual, simplesmente, porque uso óculos.
Consideram-me um artista
porque meus filmes, muitas vezes, dão prejuízo."
Cannes tornava-se o lugar da
revanche contra a terra natal.
Por ele mesmo
De lá para cá, Allen, conhecido por ser antissocial, transformou Cannes em raro palco de
suas aparições midiáticas.
Fiel à própria lenda, chegou
para a entrevista com calças de
veludo, malha marrom e camisa bege -o mesmo traje de
2008, quando veio com Penélope Cruz, atriz de "Vicky Cristina Barcelona".
Os olhos inquietos, que os
óculos parecem proteger, estavam, de início, acuados. Mas,
aos poucos, sua fala baixa foi
ganhando a forma dos diálogos
de seus personagens.
Principalmente diante das
questões que se desejavam
mais "cabeça", sobre a morte
ou a narrativa cinematográfica,
não conteve a verve.
"A morte? Olha, devo dizer
que sou totalmente contra",
disse, para uma imprensa que,
rapidamente, virou plateia, soltando gargalhadas.
Em Cannes, Allen, no papel
de Allen, impressionou mais do
que seu novo filme, outra comédia melancólica sobre personagens que se agarram a ilusões para viver.
Texto Anterior: Foco: Bancas de pastéis são boa ideia, mas acabam em grandes filas Próximo Texto: Frases Índice
|