São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2010

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63º Festival de Cannes

Woody Allen é fiel a mito em Cannes

Após recusar diversos convites, diretor americano impressiona mais por sua presença em festival do que pelo novo filme

Cineasta, com público cativo na França, fará seu próximo filme em Paris e escalou, para o elenco, a primeira-dama do país, Carla Bruni

ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES (FRANÇA)

No final de "You Will Meet a Tall Dark Stranger", uma senhora (Gemma Jones) que, depois de ser abandonada pelo marido (Anthony Hopkins), passa a crer em reencarnação, diz, sorridente, ter a certeza de que em vidas passadas foi uma francesa. Joana D'Arc, talvez.
Trata-se de outro discreto afago que Woody Allen, com incorrigível ironia, faz à sua mais fiel plateia.
A França, especialmente representada pelo Festival de Cannes, tornou-se, na última década, o porto onde aquele que já foi considerado o mais nova-iorquino dos cineastas sente-se artisticamente seguro.
Tanto é assim que seu próximo projeto não apenas será filmado em Paris e terá coprodução francesa como trará, no elenco, a primeira-dama do país, Carla Bruni. Mas essa relação nem sempre foi assim tão recíproca.
Se, no último sábado, Allen ofereceu, durante a entrevista coletiva do festival, uma performance melhor do que seu próprio filme, houve tempos em que suas negativas eram tomadas como algo irreversível pelos organizadores.
Seu primeiro filme exibido em Cannes foi "Manhattan", em 1979. O público "mais blasé do mundo", na definição de Gilles Jacob, presidente do festival, derreteu-se pelas imagens em preto e branco e pelo jazz.
O filme, a despeito da ausência do diretor, foi aplaudido por longos minutos.
"Apesar desse triunfo, toda vez que tentei convidá-lo para acompanhar um de seus filmes, seu entourage sempre respondeu como se fosse seu personagem que falasse: "Espero que você esteja brincando, papai!'".
A certeza de ausência do diretor não impediu que, em 1985, "A Rosa Púrpura do Cairo" fosse ovacionado no Palais.
Foi apenas em 1991 que Jacob, paparicado por nove entre dez diretores do mundo, conseguiu conversar com o homem de aparência frágil e óculos de aros grossos.
Encontraram-se no Ritz de Paris, onde o cineasta estava hospedado, com nome falso, com Mia Farrow e nove filhos.
Mas não se pense que a conversa transformou-se logo numa vinda ao festival. Mais dez anos se passaram até que, colocado um pouco de escanteio pela indústria norte-americana, Allen pusesse fim às recusas.
"Nos Estados Unidos, ele estava perdendo bilheteria e seus filmes já não se viabilizavam sem dinheiro de outros lugares. A Europa tornava-se essencial", diz Jacob, racional na fala, mas com um sorriso que não disfarça a veneração.
Pois foi assim que, em 2001, Allen aceitou abrir Cannes com "Dirigindo no Escuro".
Recebeu a Palma das Palmas e disse: "Os franceses me tomam por um intelectual, simplesmente, porque uso óculos. Consideram-me um artista porque meus filmes, muitas vezes, dão prejuízo."
Cannes tornava-se o lugar da revanche contra a terra natal.

Por ele mesmo
De lá para cá, Allen, conhecido por ser antissocial, transformou Cannes em raro palco de suas aparições midiáticas.
Fiel à própria lenda, chegou para a entrevista com calças de veludo, malha marrom e camisa bege -o mesmo traje de 2008, quando veio com Penélope Cruz, atriz de "Vicky Cristina Barcelona".
Os olhos inquietos, que os óculos parecem proteger, estavam, de início, acuados. Mas, aos poucos, sua fala baixa foi ganhando a forma dos diálogos de seus personagens.
Principalmente diante das questões que se desejavam mais "cabeça", sobre a morte ou a narrativa cinematográfica, não conteve a verve.
"A morte? Olha, devo dizer que sou totalmente contra", disse, para uma imprensa que, rapidamente, virou plateia, soltando gargalhadas.
Em Cannes, Allen, no papel de Allen, impressionou mais do que seu novo filme, outra comédia melancólica sobre personagens que se agarram a ilusões para viver.


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