São Paulo, sábado, 17 de junho de 2000


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"HISTÓRIA DA MÚSICA NO BRASIL"
Obra, preferida dos professores, não é perfeita, mas é a melhor

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A "História da Música no Brasil", de Vasco Mariz, uma das obras mais adotadas pelos professores do ensino superior da disciplina no país, chega à quinta edição, pela Nova Fronteira.
Deve-se advertir o leitor desavisado de que essa "História da Música no Brasil" não fala de música popular. O campo de atuação de Mariz é nossa música de concerto, desde o período colonial até o contemporâneo.
Desde 1981, quando foi editado pela primeira vez, o livro teve aceitação imediata, por preencher uma clamorosa lacuna.
A "História da Música Brasileira" de Renato de Almeida é de 1926, tendo merecido uma segunda edição em 1942; Luís Heitor Correia de Azevedo publicou "150 Anos de Música no Brasil" em 1956. Conclusão: faltava uma história da música brasileira que abrangesse os criadores do pós-guerra -amplamente contemplados no livro de Mariz.
Com relação à quarta edição, publicada em 94 pela Civilização Brasileira, a obra ganha sete novos capítulos.
Mariz agora reconhece os compositores de vanguarda como uma categoria à parte, dividindo-os em duas gerações; identifica o surgimento de uma "terceira geração independente"; e inclui compositores como Harry Crowl, Egberto Gismonti e Flo Menezes.
Além disso, o livro tem anexos ausentes na versão anterior, nos quais o autor fala, rapidamente, de intérpretes, musicólogos, críticos musicais e teatros brasileiros. Na abrangência reside o maior dos méritos da obra; resta abordar seus defeitos, tão numerosos nesta edição como nas outras.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1921, Vasco Mariz desenvolveu carreira como diplomata, cantor e musicólogo. Com vários livros publicados, foi presidente da Academia Brasileira de Música, e destacou-se particularmente como biógrafo de Villa-Lobos.
A trajetória é importante e Mariz não faz segredo de ter orgulho dela. Não tem pudores em se proclamar, nessa "História da Música no Brasil", "o mais prolífico de nossos musicólogos".
E é certamente essa ânsia em identificar a história de nossa música com sua história pessoal o item mais incômodo na leitura do livro de Mariz.
Alcançam a casa das dezenas (a Folha desistiu de contar depois que passou da cifra de 30) as citações em primeira pessoa presentes na obra.
Estão incluídas aí desde a menção a obras a ele dedicadas, como a honrarias recebidas ("Kaplan e eu temos algo em comum: ambos somos cidadãos rosarinos, ele de nascença e eu honorário"), relatos de suas viagens ("visitei a vila, já restaurada, em 1988, e fiquei maravilhado com a imponência do prédio e dos jardins", afirma, sobre a antiga residência de Carlos Gomes na Itália) e, até, uma surpreendente autocrítica ("talvez devido à minha idade avançada e a meus preconceitos burgueses, tive dificuldade em apreciar devidamente a ópera "Inori à Prostituta Sagrada'").
Há, ainda, os erros e omissões, que ficam para ser corrigidos em uma eventual sexta edição da obra. O nome do compositor austríaco Anton Bruckner não leva trema na letra "u"; Noel Devos é fagotista, não oboísta; "Salvator Rosa" foi encenada mais do que três vezes no Brasil (o autor se esquece da montagem do Municipal de São Paulo, de 1977, lançada em disco); e a ópera "Alma", de Cláudio Santoro, não está mais inédita, tendo estreado em 98.
No capítulo sobre música colonial, o autor não apenas ignora completamente a existência do Grupo de Mogi das Cruzes (manuscritos descobertos em 1984 pelo historiador Jaelson Britan Trindade, em torno dos quais há uma polêmica sobre serem ou não as mais antigas partituras de autor brasileiro), como insiste em uma anacrônica atribuição (feita por Robert Stevenson, em 1968) ao padre Caetano de Mello Jesus do "Recitativo e Ária para José Mascarenhas", de 1759 (hoje em dia, a obra é tida como anônima pela maioria dos estudiosos).
Mais preocupante: se, como cantor, Mariz revela-se um estudioso profundo da canção brasileira, nos outros terrenos, é de uma superficialidade que beira o diletantismo, reduzindo o juízo de valor a respeito de muitas obras a uma mera dicotomia "gostei/não gostei", e chegando ao cúmulo de, sobre a "Sonata para Violino e Piano", de Leopoldo Miguez, da qual existe não apenas partitura disponível, mas três gravações comerciais, não ter nada mais para afirmar além de "há muitos anos, ouvi com respeito".
Ora! Ouvir com respeito é a atitude que se espera de qualquer frequentador de concertos! Em uma "História da Música", contudo, a expectativa é de que haja uma análise da obra, não a mera descrição da atitude do historiador perante sua execução.
Diante de tantos problemas, fica a pergunta: devem os professores de história da música no Brasil continuar adotando o livro de Vasco Mariz ? Como ainda não foi escrita obra melhor, devem, sim. Mas munidos de um grosso lápis vermelho, para ajudar os alunos a corrigirem seus erros e omissões.


História da Música no Brasil    Autor: Vasco Mariz Editora: Nova Fronteira Quanto: R$ 40 (550 págs.)



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