São Paulo, sábado, 17 de junho de 2000


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"DOUBLESHOT"
Escritor deveria evitar seguir ritmo de James Bond

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Raymond Benson é mais pontual que as estações do ano. Desde 1997, todo verão americano marca o lançamento nas livrarias de mais uma de suas aventuras para James Bond. O título da vez é "Doubleshot".
O escritor dá sequência aqui à trilogia iniciada no ano passado com "High Time to Kill", em que 007 enfrentava, nas montanhas gélidas do Himalaia, uma nova organização internacional do crime -a Union.
Repetindo a estratégia de seus dois primeiros romances com Bond ("Zero Minus Ten" e "The Facts of Death"), Benson envolve o agente secreto criado por Ian Fleming em mais uma das derradeiras regiões ainda sob domínio do antigo império britânico.
Depois de Hong Kong e Chipre, é a vez de Gibraltar, um encrave inglês em território espanhol, no extremo sul da Europa mediterrânea. Ao escolhê-lo para palco das estripulias de Bond, Benson celebra a memória do criador do personagem.
Durante sua atuação como agente dos serviços britânicos de inteligência na Segunda Guerra, Fleming tinha como uma de suas funções acompanhar o desenrolar dos acontecimentos exatamente em Gibraltar -uma base aliada em plena Espanha franquista.
O enredo de "Doubleshot" gira em torno do aproveitamento pela Union dos arroubos independentistas de um ex-toureiro milionário, batizado Domingo Espada.
A estrutura do livro, com uma introdução e três atos, tanto facilita os serviços de futuros roteiristas quanto mimetiza as etapas de uma tourada ("paseo", "tercio de varas", "tercio de banderillas" e, finalmente, "tercio de la muerte").
Como nunca, Benson decalca histórias anteriores. A dívida maior é para com "Chantagem Atômica" e "Moscou contra 007".
James Bond enfrenta um duplo forjado por cirurgia plástica, o mesmo artifício usado por um criminoso de aluguel no primeiro livro. Um vilão secundário, Espada, eclipsa o arquiinimigo Le Gérant (O Gerente), líder da Union, por sua vez um sucedâneo da velha Smersh. E por aí vai.
A diferença central é que 007 surge mais frágil do que nunca, tanto física quanto psicologicamente. "Lembrei-me de uma grande história em quadrinhos do Homem-Aranha dos anos 60, "O Homem-Aranha Enlouquece", e achei que seria legal fazer Bond pensar que estava ficando louco", assumiu Benson numa entrevista.
Nem mesmo este combalido Bond, atuando por fora de suas atribuições oficiais, torna menos previsível o desenvolvimento da trama. A ação não pára, mas Benson a descreve com um estilo a um só tempo pobre e redundante. As raras exceções encontram-se na descrição de locações exóticas, sobretudo no Marrocos.
Assim, em "Doubleshot" o Benson romancista "pop" perde para o potencial guia de viagens e experimentado enciclopedista (é dele o principal livro de referência sobre 007, "The James Bond Bedside Companion", relançado em versão on line no site publishingonline.com). É pena, mas seus dois romances mais recentes deixam-se ler sem jamais empolgar ou repetir o frescor e o fôlego dos dois primeiros.
Benson não deveria se obrigar ao mesmo ritmo frenético de Bond. Apenas nos últimos quatro anos ele dedicou a 007 nada menos que quatro romances, três contos e duas "novelizações" de filmes, além de ter lançado também na Internet seu primeiro romance independente do personagem, "Evil Hours".
Não duvide que daqui a exatamente um ano estará desembarcando nas livrarias o encerramento da trilogia da Union. Benson limitou-se a revelar que a aventura será sediada "na Inglaterra e na França, especialmente na (região da) Córsega". Derrotado Le Gérant, será a hora de procurar novos desafios.
Já que o cenário deve ser preferencialmente uma região conflituosa onde a Grã-Bretanha mantém interesses coloniais tardios, por que não trazer Bond para as Falklands/Malvinas?
Em 2002 serão completados 20 anos desde o último confronto -007 no Atlântico Sul: nada mal para relembrar umas das guerras mais estúpidas deste final de século. E para dar a Bond mais uma chance de (re)viver e deixar morrer.


Doubleshot    Autor: Raymond Benson Editora: G.P. Putnam's Sons Quanto: US$ 23,95 (258 págs.) Onde encomendar: www.amazon.com



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