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CINEMA
Voltada ao público de surdos, mostra no CCBB no Rio reúne sete títulos
Legendas desvelam filmes nacionais
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cinema brasileiro começa a
deixar de ser um segredo para
uma parcela do público nacional
que precisa ler o que os atores dizem, para desvendar todos os
sentidos do que se vê na tela.
É especialmente para portadores de deficiência auditiva que o
Centro Cultural Banco do Brasil
no Rio de Janeiro exibe, a partir
deste mês, a mostra gratuita "Cinema Nacional Legendado", com
sete títulos, escolhidos em consulta informal à comunidade de surdos, pela internet.
Estima-se que no Brasil a população de pessoas com algum grau
de dificuldade auditiva chegue a
12 milhões.
O filme que abre o ciclo, com
sessão no próximo dia 26, é "Central do Brasil", de Walter Salles,
lançado em 1998. Desde aquele
ano, a fonoaudióloga Helena Dale
Couto, autora da iniciativa da
mostra, tenta organizar exibições
regulares de filmes nacionais legendados.
"Quando "Central do Brasil" foi
indicado ao Oscar [de melhor filme estrangeiro e melhor atriz,
Fernanda Montenegro], houve
um movimento muito grande dos
surdos. Eles queriam ver o filme.
Perguntavam por que fazia tanto
sucesso", diz Couto.
Curiosidade
A curiosidade em relação aos títulos nacionais de sucesso explica
o caráter da programação, que,
além do longa de Salles, agenda
"Deus É Brasileiro" (2003), de Cacá Diegues, para 24 de julho.
Os outros cinco títulos -cuja liberação ainda está sendo negociada com suas respectivas distribuidoras, de acordo com Couto-
são: "Carandiru" (2003), de Hector Babenco, "Lisbela e o Prisioneiro" (2003), de Guel Arraes,
"Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles, o documentário
"Janela da Alma" (2001), de João
Jardim e Walter Carvalho, e "O
que É Isso, Companheiro?"
(1997), de Bruno Barreto.
Os filmes serão legendados no
Centro de Produção de Legendas,
empresa que Couto dirige e que é
especializada na tecnologia de legendas ocultas "closed caption".
Diferentemente das legendas
comuns, encontradas nos filmes
estrangeiros em exibição nos cinemas, o "closed caption" descreve, além dos diálogos, o ambiente
sonoro das cenas. A legenda enumera, por exemplo, as características das músicas de fundo (música triste, música animada, música
de suspense) e os ruídos que
acrescentam significados à trama,
como os de tiros ou portas que se
abrem e fecham.
Estrangeiros
Com a inexistência de oferta de
filmes brasileiros legendados, os
espectadores surdos acabam consumindo apenas filmes estrangeiros. A pedagoga e bibliotecária
Ana Regina e Souza Campello, 46,
diz que costuma ir ao cinema uma
vez por semana ou duas por mês.
"Assisto sempre aos filmes estrangeiros, por causa da legenda.
Eu queria acompanhar os filmes
brasileiros, mas não consigo encontrar nenhum deles legendado", diz Campello.
Doutoranda em educação da
Universidade Federal de Santa
Catarina, ela se mudou do Rio de
Janeiro para Florianópolis há três
meses e diz que gostaria de acompanhar os filmes selecionados na
mostra "pelo seu processo histórico e cultural".
Mesmo sendo capaz de ouvir
com o uso de aparelho, a paulista
Tânia Camargo, 50, também evita
os filmes brasileiros no cinema,
pela falta de legendas. "Consigo
ouvir o que uma pessoa fala comigo diretamente. No cinema, por
causa do uso do microfone e porque, em geral, as cenas têm mais
de uma pessoa falando ao mesmo
tempo e, às vezes, até gritando,
não consigo entender nada. Fica
uma confusão."
Camargo aposentou-se como
coordenadora de pessoal de uma
instituição cultural em São Paulo
e agora está "tentando ser atriz",
num grupo de surdos coordenado pela professora de libras (língua de sinais específica dos surdos) Carina Casuscelli.
O grupo prepara uma peça de
teatro para o mês de setembro
("Sinais de um Sonho") e um documentário em média-metragem
("Sinais de Linguagem").
A atriz estreante apóia a iniciativa do CCBB-RJ e diz que a mostra
de filmes nacionais legendados
deveria se estender a todo o país.
"Os surdos não se localizam só no
Rio ou em São Paulo, mas no Brasil inteiro." Ela afirma também
que "os ouvintes deveriam ajudar
nessa luta", tendo em conta "a terceira idade e o dia de amanhã, que
a gente nunca sabe".
A fonoaudióloga Helena Couto
afirma que não conseguiu obter
patrocínio para o projeto inicial,
que pretendia exibir em âmbito
nacional 60 títulos brasileiros legendados. O projeto havia sido
aprovado pelo Ministério da Cultura, para captar recursos através
de lei de incentivo cultural.
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