São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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Programa faz ourivesaria da canção

Em "Uma Vez, uma Canção", o jornalista e compositor Carlos Rennó sabatina músicos sobre seus processos criativos

Próximas edições trarão conversas com Johnny Alf, Hermínio Bello de Carvalho, Marcelo Camelo e Adriana Calcanhotto, entre outros


Divulgação
Carlos Rennó conversa com Arnaldo Antunes em "Uma Vez, uma Canção", da TV Cultura


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 50 anos de idade e mais de 30 de uma carreira que concilia jornalismo e música, Carlos Rennó preserva o encanto de um neófito diante da polissemia do verbo cantar. "Canta-se algo ou alguma pessoa. E o mais interessante é que muitas canções são efetivamente formas de cantar alguém", diz.
Para desvelar galanteios e anedotas que inspiraram partituras, mas sobretudo a fim de estudar a face processual das composições, ele criou um programa de TV. O exercício de investigação se chama "Uma Vez, uma Canção" e estréia hoje, às 21h, na TV Cultura.
Quem abre os trabalhos é Arnaldo Antunes, sabatinado acerca da ourivesaria de "O que" (ainda da fase Titãs), "Inclassificáveis" (já em vôo solo) e "Volte para o Seu Lar" (gravada pela parceira recorrente Marisa Monte).
A conversa com ele gira fundamentalmente em torno de filigranas técnicas -como o molde construtivista de "O que" e a harmonia de "Volte para o Seu Lar"-, mas Rennó afasta a idéia de que a "dissecação" seja de difícil entendimento por "não-iniciados". "Busco o equilíbrio entre as questões inerentes à elaboração, transpiração, e os fatores ligados à inspiração", explica, para emendar, em seguida: "Apesar de ser prioridade revelar dados que iluminem a compreensão sobre a arte de conjugar palavras e sons, não vamos menosprezar as histórias que contribuem para o folclore ligado ao artista, para a construção do seu mito".
Um exemplo virá com Carlos Lyra, convidado de uma das próximas edições. Segundo Rennó, ao falar de "Minha Namorada" (parceria dele com Vinicius de Moraes), o músico rememora a "solução" encontrada para transpor a oposição da família da musa inspiradora da canção, Anelita, ao casamento com o "poetinha": um "rapto" levado a cabo com a ajuda providencial de Tom Jobim e do próprio Lyra.

Gênese
A idéia de fazer "Uma Vez, uma Canção" surgiu há alguns anos, quando Rennó lançou "Gilberto Gil: Todas as Letras", compilação comentada do repertório do músico baiano. Não é coincidência, portanto, que o ministro da Cultura tenha sido o primeiro a se debruçar sobre as minúcias de suas composições, numa espécie de piloto exibido como especial musical, em janeiro passado.
A lista de futuros convidados inclui Johnny Alf, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Marcelo Camelo e Adriana Calcanhotto. E, se depender da admiração de Rennó, Dorival Caymmi, "simplesmente o maior de todos".
Entre os virtuoses que já embalam outras paragens, quem ele traria de volta para um bate-papo musical? "Lorenz Hart, que fez uma das maiores declarações de amor já vistas em "My Funny Valentine", e Lupicínio Rodrigues, o criador da dor-de-cotovelo, que conseguiu em "Se Acaso Você Chegasse" quase uma tradução de um soneto shakespeariano."
Quem ouve os elogios rasgados de um Rennó fã de Caymmi, Hart e Bob Dylan pode não atinar para o fato de que ele próprio tem uma base sólida de admiradores como compositor. Não é à toa que sua parceria com Arnaldo Black em "Escrito nas Estrelas" (interpretada por Tetê Espíndola) lhe rendeu, em 1985, o primeiro lugar do Festival dos Festivais, da TV Globo. Em 2005, a dobradinha com Lenine em "Todas Elas Juntas num Só Ser" valeu à dupla o Prêmio Tim de música do ano.
Para os músicos que aspiram ao respeito de público e crítica, Rennó recomenda a leitura de "Filosofia da Composição", em que Edgar Allan Poe destrincha a lógica que o guiou na escrita de "O Corvo": a comunicabilidade. "Mas há algo de imponderável, mágico, que vai além da fórmula, da racionalidade."


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