São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Al Pacino abre seu "baú do tesouro"

Ator lança nos EUA DVD com três filmes independentes que fez e financiou entre uma e outra produção comercial nos anos 90

Caixa tem 2 longas inéditos baseados em peças off-Broadway; Pacino também entra em cartaz com "Treze Homens e um Novo Segredo"

LAWRENCE GROBEL
DO "NEW YORK TIMES"

Al Pacino guarda seu trabalho mais pessoal -e, para ele, o mais importante- em segredo há mais de 12 anos. Não em segredo absoluto, é claro, mas como algo que, para a maioria das pessoas, não passava de um rumor. Quem o conhece sabia da existência do trabalho. O público mais amplo, no entanto, só ouvira falar dele em menções ocasionais na imprensa.
Num artigo publicado em 1996 pela revista "Esquire", Jimmy Breslin escreveu: "Nenhum outro ator de cinema criou sua obra própria de obsessão artística -muito menos duas. Pacino fez tudo com ele [o primeiro filme], menos lançá-lo ou recuperar um centavo do que investiu nele. Não há nenhum outro caso registrado como esse em toda a história dos atores de cinema americanos."
O cerne do segredo está nos três filmes que Pacino fez e financiou independentemente, sendo que também dirigiu um deles. Dois deles nunca foram lançados, ambos baseados em peças que ele fez off-Broadway: "The Local Stigmatic" (1969) e "Chinese Coffee" (1989).
"The Local Stigmatic", seu primeiro exercício de cinema pessoal, foi rodado em nove dias em 1990 com os atores Paul Guilfoyle e Joe Mahar, mas só depois de quatro anos de trabalho. "Ricardo 3º - Um Ensaio" ("Looking for Richard", 1996) chegou a ser lançado e valeu a Pacino um prêmio do Sindicato dos Diretores (Director's Guild Award). "Chinese Coffee" foi concluído em 2000 e exibido no Festival de Cinema Tribeca deste ano, sendo apresentado por Robert de Niro. O filme foi ovacionado em pé, mas, em vez de lançá-lo comercialmente, Pacino decidiu guardá-lo no cofre novamente.
Agora o público poderá ver os três: Pacino os juntou no DVD "The Al Pacino Collection" (US$ 28, Fox), recém-lançado nos EUA. "Achei que era a hora certa", diz o ator. "Guardei por tempo suficiente. Talvez as pessoas já estejam preparadas para ver esse tipo de coisa."
Está certo que é um tipo de coisa diferente. Enquanto o cinema se orienta rumo à animação, ao high-tech e aos blockbusters, parece haver pouco espaço para um ator do calibre de Pacino mostrar o que pode ser feito quando duas pessoas se encontram numa sala pequena e simplesmente conversam.

Insensatez
"Eu poderia ser encerrado numa casca de noz e me considerar um rei do espaço infinito", escreveu Shakespeare em "Hamlet", e Pacino parece nortear-se por essas palavras. "Pensam que sou maluco por fazer essas peças", diz o ator, "mas faço o que faço e levo adiante minha insensatez. Se bem que há momentos em que sinto que preciso tirar um descanso dela".
Al Pacino costuma "descansar" com filmes comerciais. Ele atuou em sete entre "The Local Stigmatic" e "Ricardo 3º", incluindo "O Sucesso a Qualquer Preço", "Perfume de Mulher" (ambos de 1992) e "Fogo contra Fogo" (1995); e em quatro entre "Ricardo 3º" e "Chinese Coffee": "Donnie Brasco", "O Advogado do Diabo" (os dois de 1997), "O Informante" e "Um Domingo Qualquer" (de 1999).
Desde 2000, ele atuou em nove filmes, incluindo o papel de um malévolo proprietário de cassino em "Treze Homens e um Novo Segredo" (leia mais à direita). Atualmente, dirige outra peça pessoal transposta ao cinema, "Salomé", de Oscar Wilde, na qual também atua.
"Mesmo filmes independentes são sujeitos à moda", diz Pacino. "As escolas de cinema recobrem nosso olhar com uma névoa -enxergamos as coisas pelas lentes da moda. Enquanto não surge outro caminho a seguir, acabamos nos cansando do mesmo tipo de coisa. Estes filmes são diferentes."

Vagabundos londrinos
Escrito em 1965 pelo dramaturgo inglês Heathcote Williams, "The Local Stigmatic" é sobre dois vagabundos "cockneys" (moradores da periferia de Londres) que se divertem agredindo pessoas que têm vida melhor que a deles. Sem ter nada para fazer, ficam num apartamento e falam sobre corridas de cachorros.
Um deles, Graham, gosta de ler sobre pessoas famosas e segui-las. Num bar, os dois reconhecem uma pessoa famosa -um homem mais velho que apareceu na TV. Vão bater papo com ele, e a conversa fica assustadora. "Eu sei quem você é", diz Graham, que acha que "a fama é a primeira desgraça... Porque Deus sabe quem você é".
É um vislumbre de um mundo raramente visto por pessoas que vão ao teatro, uma linguagem que fascina Pacino. ""The Local Stigmatic" é radical e um pouco subversivo", diz. "Nunca sei como vão reagir. Acho que é melhor ver primeiro os dois outros antes de passar para este."
"É sobre gente que não consegue ter sucesso na vida", prossegue. "Eles jogam o tempo todo. Quando Heathcote Williams a escreveu, ele era jovem e irado. Quando li a peça pela primeira vez, não a entendi. Li mais duas vezes e comecei a perceber algo de valor duradouro. Vi que era inspirada."

Influência de Brecht
"Chinese Coffee", do dramaturgo Ira Lewis, é outra "tour de force" de dois homens, inspirada por uma frase de Bertolt Brecht: "Não confio nele. Ele é amigo". Pacino é Harry Levine, um escritor que vive dificuldades na Greenwich Village de 1982. Seu amigo Jake Mannheim (Jerry Orbach) prefere viver na pobreza, como fotógrafo desempregado, a voltar à sua mulher, rica e dominadora.
Harry escreve um romance baseado neles dois e o dá para Jake ler. Depois de perder seu emprego de porteiro num restaurante francês, vai visitar Jake, esperando que este lhe devolva parte do dinheiro que Harry lhe emprestara. Mas o que quer mesmo é saber o que o amigo achou de seu romance.
Jake lhe diz que não o leu, embora tenha lido. No tête-à-tête deles, há humor, patos, raiva, ciúmes e frustração.
Pacino conta que cresceu conhecendo pessoas como Harry e Jake. "É uma exploração de um certo tipo de amizade", diz o ator. "A amizade é uma coisa frágil. Senti-me instigado pela linguagem e quis compartilhá-la. Mas não achei que o timing estivesse certo quando o fizemos. Agora, não sei bem a razão, o clima está diferente de cinco anos atrás. O filme tem um lugar no mundo. O mundo muda, e passamos a ansiar por certas coisas. Timing é tudo."

Pouco ortodoxo
"Ricardo 3º - Um Ensaio" é o mais conhecido dos três por ter tido lançamento limitado no cinema. Foi aclamado pela crítica pela abordagem pouco ortodoxa ao levar a um público maior "Ricardo 3º", de Shakespeare.
Em 90 minutos, Pacino passa de um estilo documental -percorrendo as ruas de Manhattan para perguntar a estranhos o que pensam de Shakespeare, indo a Stratford-on-Avon para visitar a casa do dramaturgo e entrevistando estudiosos e atores shakespearianos- para cenas da peça representadas com os figurinos apropriados, com Winona Ryder como Lady Anne, Alec Baldwin no papel do Duque de Clarence e Kevin Spacey como Buckingham.
Num esforço para tornar os três filmes mais acessíveis, filmou novos prólogos e epílogos para cada um. "Foi só quando me dei conta de que podia fazê-lo assim que tive uma razão para lançá-los", diz. "As pessoas precisam de uma moldura para um quadro, uma capa para um livro. Com esses filmes, essa moldura é mais que necessária.
Ela conecta você. Quando você anda numa montanha-russa, precisa se prender com um cinto, e esses filmes levam você num passeio. Os epílogos ajudam o público a compreender sentimentos que podem ter."


Tradução de CLARA ALLAIN


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