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Al Pacino abre seu "baú do tesouro"
Ator lança nos EUA DVD com três filmes independentes que fez e financiou entre uma e outra produção comercial nos anos 90
Caixa tem 2 longas inéditos baseados em peças off-Broadway; Pacino também entra em cartaz com "Treze Homens e um Novo Segredo"
LAWRENCE GROBEL
DO "NEW YORK TIMES"
Al Pacino guarda seu trabalho mais pessoal -e, para ele, o
mais importante- em segredo
há mais de 12 anos. Não em segredo absoluto, é claro, mas como algo que, para a maioria das
pessoas, não passava de um rumor. Quem o conhece sabia da
existência do trabalho. O público mais amplo, no entanto, só
ouvira falar dele em menções
ocasionais na imprensa.
Num artigo publicado em
1996 pela revista "Esquire",
Jimmy Breslin escreveu: "Nenhum outro ator de cinema
criou sua obra própria de obsessão artística -muito menos
duas. Pacino fez tudo com ele [o
primeiro filme], menos lançá-lo ou recuperar um centavo do
que investiu nele. Não há nenhum outro caso registrado como esse em toda a história dos
atores de cinema americanos."
O cerne do segredo está nos
três filmes que Pacino fez e financiou independentemente,
sendo que também dirigiu um
deles. Dois deles nunca foram
lançados, ambos baseados em
peças que ele fez off-Broadway:
"The Local Stigmatic" (1969) e
"Chinese Coffee" (1989).
"The Local Stigmatic", seu
primeiro exercício de cinema
pessoal, foi rodado em nove
dias em 1990 com os atores
Paul Guilfoyle e Joe Mahar,
mas só depois de quatro anos
de trabalho. "Ricardo 3º - Um
Ensaio" ("Looking for Richard", 1996) chegou a ser lançado e valeu a Pacino um prêmio do Sindicato dos Diretores (Director's Guild Award). "Chinese Coffee" foi concluído em
2000 e exibido no Festival de
Cinema Tribeca deste ano, sendo apresentado por Robert de
Niro. O filme foi ovacionado em
pé, mas, em vez de lançá-lo comercialmente, Pacino decidiu
guardá-lo no cofre novamente.
Agora o público poderá ver os
três: Pacino os juntou no DVD
"The Al Pacino Collection"
(US$ 28, Fox), recém-lançado
nos EUA. "Achei que era a hora
certa", diz o ator. "Guardei por
tempo suficiente. Talvez as
pessoas já estejam preparadas
para ver esse tipo de coisa."
Está certo que é um tipo de
coisa diferente. Enquanto o cinema se orienta rumo à animação, ao high-tech e aos blockbusters, parece haver pouco espaço para um ator do calibre de
Pacino mostrar o que pode ser
feito quando duas pessoas se
encontram numa sala pequena
e simplesmente conversam.
Insensatez
"Eu poderia ser encerrado
numa casca de noz e me considerar um rei do espaço infinito", escreveu Shakespeare em
"Hamlet", e Pacino parece nortear-se por essas palavras.
"Pensam que sou maluco por
fazer essas peças", diz o ator,
"mas faço o que faço e levo
adiante minha insensatez. Se
bem que há momentos em que
sinto que preciso tirar um descanso dela".
Al Pacino costuma "descansar" com filmes comerciais. Ele
atuou em sete entre "The Local
Stigmatic" e "Ricardo 3º", incluindo "O Sucesso a Qualquer
Preço", "Perfume de Mulher"
(ambos de 1992) e "Fogo contra
Fogo" (1995); e em quatro entre
"Ricardo 3º" e "Chinese
Coffee": "Donnie Brasco", "O
Advogado do Diabo" (os dois de
1997), "O Informante" e "Um
Domingo Qualquer" (de 1999).
Desde 2000, ele atuou em
nove filmes, incluindo o papel
de um malévolo proprietário de
cassino em "Treze Homens e
um Novo Segredo" (leia mais à
direita). Atualmente, dirige outra peça pessoal transposta ao
cinema, "Salomé", de Oscar
Wilde, na qual também atua.
"Mesmo filmes independentes são sujeitos à moda", diz Pacino. "As escolas de cinema recobrem nosso olhar com uma névoa -enxergamos as coisas
pelas lentes da moda. Enquanto não surge outro caminho a
seguir, acabamos nos cansando
do mesmo tipo de coisa. Estes
filmes são diferentes."
Vagabundos londrinos
Escrito em 1965 pelo dramaturgo inglês Heathcote
Williams, "The Local Stigmatic" é sobre dois vagabundos
"cockneys" (moradores da periferia de Londres) que se divertem agredindo pessoas que
têm vida melhor que a deles.
Sem ter nada para fazer, ficam
num apartamento e falam sobre corridas de cachorros.
Um deles, Graham, gosta de
ler sobre pessoas famosas e segui-las. Num bar, os dois reconhecem uma pessoa famosa
-um homem mais velho que
apareceu na TV. Vão bater papo
com ele, e a conversa fica assustadora. "Eu sei quem você é",
diz Graham, que acha que "a fama é a primeira desgraça... Porque Deus sabe quem você é".
É um vislumbre de um mundo raramente visto por pessoas
que vão ao teatro, uma linguagem que fascina Pacino. ""The
Local Stigmatic" é radical e um
pouco subversivo", diz. "Nunca
sei como vão reagir. Acho que é
melhor ver primeiro os dois outros antes de passar para este."
"É sobre gente que não consegue ter sucesso na vida",
prossegue. "Eles jogam o tempo todo. Quando Heathcote
Williams a escreveu, ele era jovem e irado. Quando li a peça
pela primeira vez, não a entendi. Li mais duas vezes e comecei
a perceber algo de valor duradouro. Vi que era inspirada."
Influência de Brecht
"Chinese Coffee", do dramaturgo Ira Lewis, é outra "tour
de force" de dois homens, inspirada por uma frase de Bertolt
Brecht: "Não confio nele. Ele é
amigo". Pacino é Harry Levine,
um escritor que vive dificuldades na Greenwich Village de
1982. Seu amigo Jake Mannheim (Jerry Orbach) prefere
viver na pobreza, como fotógrafo desempregado, a voltar à sua
mulher, rica e dominadora.
Harry escreve um romance
baseado neles dois e o dá para
Jake ler. Depois de perder seu
emprego de porteiro num restaurante francês, vai visitar Jake, esperando que este lhe devolva parte do dinheiro que
Harry lhe emprestara. Mas o
que quer mesmo é saber o que o
amigo achou de seu romance.
Jake lhe diz que não o leu, embora tenha lido. No tête-à-tête
deles, há humor, patos, raiva,
ciúmes e frustração.
Pacino conta que cresceu conhecendo pessoas como Harry
e Jake. "É uma exploração de
um certo tipo de amizade", diz
o ator. "A amizade é uma coisa
frágil. Senti-me instigado pela
linguagem e quis compartilhá-la. Mas não achei que o timing
estivesse certo quando o fizemos. Agora, não sei bem a razão, o clima está diferente de
cinco anos atrás. O filme tem
um lugar no mundo. O mundo
muda, e passamos a ansiar por
certas coisas. Timing é tudo."
Pouco ortodoxo
"Ricardo 3º - Um Ensaio" é o
mais conhecido dos três por ter
tido lançamento limitado no cinema. Foi aclamado pela crítica
pela abordagem pouco ortodoxa ao levar a um público maior
"Ricardo 3º", de Shakespeare.
Em 90 minutos, Pacino passa
de um estilo documental -percorrendo as ruas de Manhattan
para perguntar a estranhos o
que pensam de Shakespeare,
indo a Stratford-on-Avon para
visitar a casa do dramaturgo e
entrevistando estudiosos e atores shakespearianos- para cenas da peça representadas com
os figurinos apropriados, com
Winona Ryder como Lady Anne, Alec Baldwin no papel do
Duque de Clarence e Kevin
Spacey como Buckingham.
Num esforço para tornar os
três filmes mais acessíveis, filmou novos prólogos e epílogos
para cada um. "Foi só quando
me dei conta de que podia fazê-lo assim que tive uma razão para lançá-los", diz. "As pessoas
precisam de uma moldura para
um quadro, uma capa para um
livro. Com esses filmes, essa
moldura é mais que necessária.
Ela conecta você. Quando você
anda numa montanha-russa,
precisa se prender com um cinto, e esses filmes levam você
num passeio. Os epílogos ajudam o público a compreender
sentimentos que podem ter."
Tradução de CLARA ALLAIN
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