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BIA ABRAMO
"A Pedra do Reino" e a inefável qualidade
Mais do que mítica, a versão de Carvalho para o romance de Ariano Suassuna é alegórica
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ORA, NÃO dá para discordar
muito da crítica de Cássio
Starling Carlos sobre a "A Pedra do Reino" (Ilustrada, 10 de junho). Para o crítico, a microssérie
de Luiz Fernando Carvalho representa uma ruptura no modo de
usar a literatura na TV. A obra literária não estaria simplesmente
mais emprestando seu "sinal de
nobreza" à obra televisiva, ou seja,
funcionando como avalizadora de
um certo padrão de qualidade, mas
passaria a fornecer outras e diversas estratégias narrativas. Além
disso, a partir de uma concepção
artesanal de produção, capaz de
imprimir uma "singularidade expressiva", conseguiria "desafiar de
dentro os códigos da televisão".
"A Pedra do Reino" é, de fato,
uma obra televisiva desafiadora,
que se constitui a partir sobretudo
de negativas: não-linear na condução do roteiro, não-naturalista na
interpretação, não-convencional
em termos de cenografia e direção
de arte. Todas essas negativas se
entrelaçam com uma exuberância
visual e uma intensidade dramática
muito raramente vistas (tendendo
fácil ao "quase nunca") na TV.
Mais do que mítica, a versão de
Carvalho para o romance de Ariano
Suassuna é profundamente alegórica -e, nesse sentido, seu sertão
de deuses e diabos se aproxima do
dos filmes de Glauber Rocha. Ao
armorial, algo suave na quase idealização do popular regional, se sobrepôs uma camada de simbolismos mais agudos -e não distantes,
inclusive, do cinema que vem vindo
de Pernambuco na última década.
E, para além de todas as referências e cruzamentos, Carvalho firma-se como um diretor original,
capaz de criar imagens de enorme
beleza e de tirar o espectador de
seu conforto e de sua segurança. É
toda áspera a microssérie, no sentido de não dar trégua à atenção,
mesmo quando deixa emergir o humor de Suassuna, quando deixa escapar algum lirismo. E essa aspereza que impede a distração a ponto
de causar incômodo -o espectador
de TV, qualquer um, é o menos
afeito a isso- é justamente aquilo
que a TV tenta ao máximo evitar.
Há, entretanto, em Carvalho,
ainda uma reverência excessiva à
obra literária. Não a esta que está
sendo adaptada, mas, digamos, à
profundidade da literatura. É como
se, ao adaptar, o diretor ficasse imbuído de uma dificuldade advinda
do livro -e isso forçaria escolhas
estéticas que, no fim, parecem mais
informar sobre a capacidade do diretor em ser complicado do que, de
fato, contribuir para a narrativa.
O problema, aqui, não é afastar o
espectador, mas perpetuar uma aura de distância da obra literária.
biaabramo.tv@uol.com.br
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