São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2008

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Econômica, nova peça de Peter Brook vai da comédia ao luto

"Fragments", que reúne quatro textos curtos e um poema de Beckett, com três atores em cena, lota teatro em sua estréia, anteontem, no Festival de Londrina

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A LONDRINA

É de uma economia absoluta "Fragments" (fragmentos), espetáculo dirigido pelo inglês Peter Brook que teve sua estréia brasileira anteontem à noite, no Festival Internacional de Londrina (Filo).
Em cena, quatro peças curtas e um poema de Samuel Beckett (1906-1989) são apresentados em enxutos 53 minutos por três atores, num cenário em que só se vêem os objetos usados em cada segmento (duas banquetas, um violino, um banco de madeira e uma cadeira).
"Rough for Theatre 1" abre o sexto trabalho de Brook a fazer escala no país -o último foi "Sizwe Banzi Est Mort" (Sizwe Banzi está morto), em 2006. No palco, um cadeirante ranzinza (Marcello Magni) e um músico cego (Khalifa Natour) descobrem afinidades (como a "queda" por carne em conserva e sopa de batatas) e ensaiam uma relação simbiótica, ainda que pontuada por rusgas.
Dezenove minutos depois, vestida de preto da cabeça aos pés, Hayley Carmichael inicia o solo "Rockaby", narração objetiva, mas delicada, do fim de um longo dia para uma mulher -a vida. A estrutura circular desse réquiem o faz soar como uma releitura feminina de "Cotidiano", de Chico Buarque.

Humor
O luto passa longe de "Act Without Words 2", em que Magni e Natour (que, assim como Carmichael, faz no Brasil sua estréia no espetáculo) abrigam-se em sacos brancos e, cutucados por aquilo que parece ser um "dedo" celeste, criam tipos diametralmente opostos.
O primeiro, personificação do mau humor, leva a vida à base de resmungos e pílulas -que rendem grunhidos em cascata. O segundo, de seu lado, entoa "What a Wonderful World" enquanto faz sua higiene matinal e veste um terno.
O segmento, ancorado em mímica e lances clownescos, foi o que mais agradou ao público que lotou o Teatro Filo (com capacidade para 323 pessoas).
Seguiu-se o poema "Neither" (nenhum), com Carmichael novamente só em cena, desta vez a sondar (em não mais do que dois minutos) as dúvidas e hesitações universais.
A noite termina com "Come and Go", em que o trio de atores encarna igual número de senhoras candongueiras. Sentadas num banco de jardim, rememoram os velhos tempos. Quando uma delas se ausenta, as duas remanescentes imediatamente compartilham um segredo sobre aquela.
Com poucas palavras, mas trocas de olhares e gestual expressivos, o grupo volta a seduzir a platéia paranaense.
À saída, o educador curitibano Bruno Mancuso, 27, elogiou as atuações e o texto: "Gostei do primeiro monólogo: achei bem sutil a forma como se introduz essa mulher depressiva".
A professora do curso de artes cênicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Heloisa Bauab, 53, disse que o espetáculo confirma a opção atual de Brook pelo palco nu: "Ele já experimentou todos os tipos de linguagem. Hoje, a gente vê um teatro despojado, que retorna à fonte primitiva de texto e ator, após um período em que ele criou um teatro visual ao extremo".
Ela também saudou a leveza do espetáculo. "Beckett tem esse lado comunicativo; talvez alguns [encenadores] o tenham tomado muito a sério."


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