São Paulo, domingo, 17 de julho de 2005

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CRÍTICA

"O Aprendiz" indica desigualdade entre sexos

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

De novo , "O Aprendiz". A segunda temporada difere pouco da primeira em termos de regras e, de novo, vem sendo um sucesso de audiência. Mas há uma espécie de coincidência sobre a qual vale a pena pensar: desta vez, as mulheres vêm sendo rapidamente eliminadas. Em seis episódios, já foram demitidas cinco mulheres. Aparentemente, não quer dizer nada: mas será que não mesmo?
Para tentar responder, antes é preciso pensar um pouco sobre o papel da realidade no "reality show". Embora empreste o nome, esse formato tem pouco a ver com a vida real. Seria mais adequado falar em hiper-realidade, uma vez que os programas estilizam os traços que convêm à lógica do show e, nesse processo, recriam uma aparência distorcida a ponto de se apresentar mais "realista" do que a própria realidade. Ou seja, essa realidade inventada está próxima da ficção.
Assim, num "reality" do tipo "Big Brother", em que os relacionamentos humanos são postos sob essa lente hiperrealista, por mal ou por bem, as relações entre os participantes seguem um script imaginário e coletivo de como aquilo deve ser; os do tipo "Extreme Makeover" (inclusive os mais "leves", como "Queer Eye for the Straight Guy") fazem acontecer a fantasia coletiva e individual de perfeição, mesmo que seja só para se exibir diante da família e dos amigos.
No caso de "O Aprendiz", encena-se a ferocidade competitiva do universo corporativo. É como uma "entrevista de emprego", dizem, em que as situações enfrentadas por candidatos a adentrar o mundo dos executivos de altos salários são reproduzidas tal como se dão no mundo real. O trabalho, que aparentemente é um valor em si mesmo, é considerado um jogo de "pega-pra-capar", em que "só os fortes" sobrevivem. Ninguém tem direito ao trabalho porque este é um direito em si, mas pela performance mais ou menos adequada à cartilha cruel da competição.
Nessa atmosfera, de fato, não se espanta que as mulheres estejam "fora do padrão". Não que as mulheres não possam, eventualmente, jogar esse jogo -tanto o fazem, que a vitoriosa do primeiro episódio foi uma mulher.
Mas o programa, mesmo que de forma não intencional, está tratando do mesmo mercado que confere salários menores para mulheres com o mesmo grau de escolaridade na mesma posição e que considera o trabalho feminino como mais caro, a despeito de evidências em contrário (estudo da OIT aponta que a diferença de custo do trabalho feminino em relação ao masculino é desprezível para os empregadores).
Daí não é surpresa que as mulheres venham sendo "postas no seu lugar", ou seja, para fora (a taxa de desemprego, evidentemente, também é desigual). Brincar com a hiperrealidade tem esse problema. Na tentativa de acertar num alvo, atinge-se outro.

biawabramo.tv@uol.com.br

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