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CRÍTICA
"O Aprendiz" indica desigualdade entre sexos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
De novo , "O Aprendiz". A
segunda temporada difere
pouco da primeira em termos de
regras e, de novo, vem sendo um
sucesso de audiência. Mas há
uma espécie de coincidência sobre a qual vale a pena pensar:
desta vez, as mulheres vêm sendo
rapidamente eliminadas. Em seis
episódios, já foram demitidas
cinco mulheres. Aparentemente,
não quer dizer nada: mas será
que não mesmo?
Para tentar responder, antes é
preciso pensar um pouco sobre o
papel da realidade no "reality
show". Embora empreste o nome, esse formato tem pouco a ver
com a vida real. Seria mais adequado falar em hiper-realidade,
uma vez que os programas estilizam os traços que convêm à lógica do show e, nesse processo, recriam uma aparência distorcida
a ponto de se apresentar mais
"realista" do que a própria realidade. Ou seja, essa realidade inventada está próxima da ficção.
Assim, num "reality" do tipo
"Big Brother", em que os relacionamentos humanos são postos
sob essa lente hiperrealista, por
mal ou por bem, as relações entre
os participantes seguem um
script imaginário e coletivo de
como aquilo deve ser; os do tipo
"Extreme Makeover" (inclusive
os mais "leves", como "Queer
Eye for the Straight Guy") fazem
acontecer a fantasia coletiva e individual de perfeição, mesmo
que seja só para se exibir diante
da família e dos amigos.
No caso de "O Aprendiz", encena-se a ferocidade competitiva
do universo corporativo. É como
uma "entrevista de emprego",
dizem, em que as situações enfrentadas por candidatos a adentrar o mundo dos executivos de
altos salários são reproduzidas
tal como se dão no mundo real. O
trabalho, que aparentemente é
um valor em si mesmo, é considerado um jogo de "pega-pra-capar", em que "só os fortes" sobrevivem. Ninguém tem direito
ao trabalho porque este é um direito em si, mas pela performance mais ou menos adequada à
cartilha cruel da competição.
Nessa atmosfera, de fato, não se
espanta que as mulheres estejam
"fora do padrão". Não que as
mulheres não possam, eventualmente, jogar esse jogo -tanto o
fazem, que a vitoriosa do primeiro episódio foi uma mulher.
Mas o programa, mesmo que
de forma não intencional, está
tratando do mesmo mercado
que confere salários menores para mulheres com o mesmo grau
de escolaridade na mesma posição e que considera o trabalho feminino como mais caro, a despeito de evidências em contrário
(estudo da OIT aponta que a diferença de custo do trabalho feminino em relação ao masculino
é desprezível para os empregadores).
Daí não é surpresa que as mulheres venham sendo "postas no
seu lugar", ou seja, para fora (a
taxa de desemprego, evidentemente, também é desigual).
Brincar com a hiperrealidade
tem esse problema. Na tentativa
de acertar num alvo, atinge-se
outro.
biawabramo.tv@uol.com.br
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