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GUILHERME WISNIK
O híbrido rural-urbano
A disputa entre o campo e a cidade ganha interesse com a urbanização vertiginosa da crescente China atual
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SE PARA Adam Smith a história
humana é movida pela eterna
disputa entre o campo e a cidade, para Marx, ao contrário, ela tenderia a uma abolição gradual da distinção entre ambos, "através de uma
distribuição mais equânime da população na Terra". Essa oposição revela muito sobre o modo como o liberalismo e o comunismo se territorializam. E, também, aponta traços
que de certa forma se tornaram
marcantes na diferença entre as
mentalidades ocidental e oriental.
Um dos lados, o ocidental, tem como arquétipo a Inglaterra: país que
fez a Revolução Industrial e primeiro se urbanizou. Mas que, no entanto, manteve o campo como uma entidade existencial intocável, a salvo
de qualquer contaminação da vida
ruidosa da cidade. O outro lado, o
oriental, remete às experiências de
modernização soviética e principalmente chinesa, países com territórios imensos e uma longa tradição
camponesa e que passaram por um
processo acelerado de industrialização. Assim, se no primeiro caso o
campo e a cidade são duas forças em
oposição, no segundo tendem a formar um amálgama indiscernível,
próximo àquilo que se chamou de
"desurbanismo".
Essa discussão ganha interesse renovado à medida que a China hoje,
sendo o país que mais cresce no
mundo, se urbaniza vertiginosamente. E, na mesma proporção, parece ocidentalizar-se, quando, na
verdade, finalmente atinge uma
configuração territorial próxima
àquela idealizada por Marx.
Formada por uma rede contínua
de vilas recentemente promovidas a
cidades, a vasta área do delta do rio
Pérola é uma paisagem híbrida entre o rural e o urbano. Esse processo,
absolutamente contemporâneo, resulta na verdade de uma combinação histórica singular.
Em primeiro lugar, do desprezo
de Mao Tsé-tung pelas cidades e de
sua política de industrialização do
campo e controle férreo do crescimento urbano. E, em segundo, da
política de abertura à economia de
mercado a partir de zonas de exceção em torno dos enclaves ex-coloniais: Hong Kong e Macau, ambos
situados no delta do Pérola.
Como resultado, toda uma paisagem de campos cultivados e casas
dispersas, pontuada aqui e ali por
chaminés de fábricas, se viu rapidamente exposta à voracidade do comércio e, logo, ao impulso da produção de bens de consumo variados. É
claro que a população flutuante da
região se multiplicou a cifras incalculáveis, e o território se suburbanizou a partir de rápidos e precários
incrementos de infra-estrutura básica. Uma urbanização sem urbanidade, conduzida pelo capital globalizado sobre uma base comunista
agrária, mas industrializada.
Quando Marx, em 1848, concebeu
a sociedade comunista vivendo em
híbridos rurais-urbanos, estava se
opondo à concentração insalubre da
população operária nos cortiços londrinos e procurando incorporar o
idílio do campo à noção de lazer na
cidade, como uma síntese entre tese
e antítese. Hoje, para começar a
compreender a atual conurbação
chinesa de vilas-subúrbios sem centro urbano, precisamos dar novos
saltos dialéticos.
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