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Crítico protesta contra a "morte" precoce de livros
Carência ideológica, imediatismo e falta de qualidade na crítica literária são vilões apontados por Davi Arrigucci Jr.
Professor da USP traduz
"O Cavalo Perdido e Outras Histórias", do uruguaio Felisberto Hernández, para coleção latino-americana
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Davi Arrigucci Jr. protesta:
"Os livros estão "morrendo"
muito cedo". Na opinião do
professor aposentado de literatura da Universidade de São
Paulo (USP), têm culpa na vida
curta e na carreira breve dos livros a imprensa, a crítica literária, a carência ideológica e a dinâmica do mundo em que vivemos. "Os cadernos culturais,
por exemplo, somente noticiam a existência de um livro
no momento do seu lançamento, mas o debate morre aí, não é
como antigamente."
Ironicamente (ou não), esse
assunto veio à tona quando o
crítico literário recebeu a Folha em sua casa para falar sobre... a notícia de um lançamento. Escolhido e traduzido
por ele, "O Cavalo Perdido e
Outras Histórias", do escritor
uruguaio Felisberto Hernández (1902-1964), recebe sua
primeira edição no Brasil, dentro da coleção "Prosa do Observatório", voltada à produção latino-americana.
A série, da qual Arrigucci é o
coordenador, já reeditou "A Invenção de Morel", do argentino
Adolfo Bioy Casares, e planeja
para os próximos meses títulos
do peruano Julio Ramón Ribeyro, cartas do cubano José
Lezama Lima e um ensaio pouco conhecido que o brasileiro
Joaquim Nabuco escreveu sobre o ex-presidente do Chile
José Manuel Balmaceda, no final do século 19, em 1895.
"A idéia é trazer livros importantes e raros, que ofereçam uma perspectiva da literatura no continente", diz Arrigucci. Para o crítico literário, a
distância cultural que há entre
os países do continente se dilui
na observação da semelhança
de temas e na rede de influências literárias entre os autores.
"As questões mais candentes
da literatura desses países são
muito parecidas. Mesmo em
seus enfrentamentos com a
questão política e com a realidade. Qualquer escritor que
responde a essas questões fecunda o meio", afirma.
No caso do uruguaio Hernández, sua obra é identificada
pelo diálogo que faz com a do
argentino Julio Cortázar (1914-1984). É deste, inclusive, o prólogo de "O Cavalo Perdido e
Outras Histórias".
De acordo com Arrigucci, a
prosa intimista de Hernández,
assim como seu pouco interesse em discutir questões de seu
tempo, mostram um escritor
bastante preocupado em levar
a narrativa a um experimentalismo singular com a temporalidade e com a descrição intensa de objetos e ambientes.
"No texto de Hernández, as
coisas, os objetos, têm uma importância muito grande. Aparentemente eles são banais,
mas vão assumindo uma espécie de anomalia e, então, surge
o insólito", diz Arrigucci.
Retração intelectual
Apesar de ter a oportunidade
de coordenar uma coleção literária de textos latino-americanos, algo que seria pouco usual
e de pouco interesse no mercado um tempo atrás, Arrigucci
acha que o panorama intelectual no Brasil hoje está empobrecido. "Houve uma retração
da nossa vida intelectual. Isso
tem a ver com os tempos em
que vivemos, com o quadro
brasileiro em geral e com a crise das esquerdas."
Na sua opinião, o empobrecimento do debate teria na imprensa um de seus mais evidentes reflexos. "A quantidade de
livros que sai sem resposta crítica é imensa", diz. Acha, ainda,
que as resenhas são hoje imediatistas e não levam a uma discussão sobre os temas e a qualidade dos livros. "Existem para
dizer que um livro surgiu, mas
não propriamente para analisá-lo. Assim, os livros têm
"morrido" muito cedo. As resenhas saem e, depois, as obras
desaparecem", afirma.
Mas será que as resenhas não
são profundas também por
causa dos próprios livros? Arrigucci concorda com a idéia de
que hoje se publica muita coisa
importada e de pouco interesse
ao público no mercado. "Olhamos para isso e parece que não
há vida intelectual no país", diz.
Poesia
O crítico chama a atenção,
também, para o desaparecimento da discussão sobre poesia. Mas isso não estaria acontecendo também porque a poesia brasileira se retraiu? "De
maneira nenhuma", diz. "Basta
olhar a quantidade de revistas
de poetas jovens que são publicadas, e o lançamento de coleções dedicadas somente ao tema", completa o professor.
Então por que a poesia não
repercute como antes? "Porque não existe mais debate sobre a produção dos poetas. Antes, havia a briga de grupos, entre os concretistas e a USP.
Agora, não há mais nada. Os
grupos jovens produzem, mas
não recebem crítica, não têm
retorno. Recebem menos retorno do que quem faz prosa."
Arrigucci acha bom que esteja havendo uma reação quase
que em conjunto de autores novos da América Latina no sentido de romper com os seus antecessores e com os rótulos usados para definir o que se produzia por aqui de modo simplista.
"É natural que hoje se faça esse
movimento, e é bom que eles
tomem essa direção", diz.
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