São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 2006

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Crítico protesta contra a "morte" precoce de livros

Carência ideológica, imediatismo e falta de qualidade na crítica literária são vilões apontados por Davi Arrigucci Jr.

Professor da USP traduz "O Cavalo Perdido e Outras Histórias", do uruguaio Felisberto Hernández, para coleção latino-americana

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Davi Arrigucci Jr. protesta: "Os livros estão "morrendo" muito cedo". Na opinião do professor aposentado de literatura da Universidade de São Paulo (USP), têm culpa na vida curta e na carreira breve dos livros a imprensa, a crítica literária, a carência ideológica e a dinâmica do mundo em que vivemos. "Os cadernos culturais, por exemplo, somente noticiam a existência de um livro no momento do seu lançamento, mas o debate morre aí, não é como antigamente."
Ironicamente (ou não), esse assunto veio à tona quando o crítico literário recebeu a Folha em sua casa para falar sobre... a notícia de um lançamento. Escolhido e traduzido por ele, "O Cavalo Perdido e Outras Histórias", do escritor uruguaio Felisberto Hernández (1902-1964), recebe sua primeira edição no Brasil, dentro da coleção "Prosa do Observatório", voltada à produção latino-americana.
A série, da qual Arrigucci é o coordenador, já reeditou "A Invenção de Morel", do argentino Adolfo Bioy Casares, e planeja para os próximos meses títulos do peruano Julio Ramón Ribeyro, cartas do cubano José Lezama Lima e um ensaio pouco conhecido que o brasileiro Joaquim Nabuco escreveu sobre o ex-presidente do Chile José Manuel Balmaceda, no final do século 19, em 1895.
"A idéia é trazer livros importantes e raros, que ofereçam uma perspectiva da literatura no continente", diz Arrigucci. Para o crítico literário, a distância cultural que há entre os países do continente se dilui na observação da semelhança de temas e na rede de influências literárias entre os autores. "As questões mais candentes da literatura desses países são muito parecidas. Mesmo em seus enfrentamentos com a questão política e com a realidade. Qualquer escritor que responde a essas questões fecunda o meio", afirma.
No caso do uruguaio Hernández, sua obra é identificada pelo diálogo que faz com a do argentino Julio Cortázar (1914-1984). É deste, inclusive, o prólogo de "O Cavalo Perdido e Outras Histórias".
De acordo com Arrigucci, a prosa intimista de Hernández, assim como seu pouco interesse em discutir questões de seu tempo, mostram um escritor bastante preocupado em levar a narrativa a um experimentalismo singular com a temporalidade e com a descrição intensa de objetos e ambientes.
"No texto de Hernández, as coisas, os objetos, têm uma importância muito grande. Aparentemente eles são banais, mas vão assumindo uma espécie de anomalia e, então, surge o insólito", diz Arrigucci.

Retração intelectual
Apesar de ter a oportunidade de coordenar uma coleção literária de textos latino-americanos, algo que seria pouco usual e de pouco interesse no mercado um tempo atrás, Arrigucci acha que o panorama intelectual no Brasil hoje está empobrecido. "Houve uma retração da nossa vida intelectual. Isso tem a ver com os tempos em que vivemos, com o quadro brasileiro em geral e com a crise das esquerdas."
Na sua opinião, o empobrecimento do debate teria na imprensa um de seus mais evidentes reflexos. "A quantidade de livros que sai sem resposta crítica é imensa", diz. Acha, ainda, que as resenhas são hoje imediatistas e não levam a uma discussão sobre os temas e a qualidade dos livros. "Existem para dizer que um livro surgiu, mas não propriamente para analisá-lo. Assim, os livros têm "morrido" muito cedo. As resenhas saem e, depois, as obras desaparecem", afirma.
Mas será que as resenhas não são profundas também por causa dos próprios livros? Arrigucci concorda com a idéia de que hoje se publica muita coisa importada e de pouco interesse ao público no mercado. "Olhamos para isso e parece que não há vida intelectual no país", diz.

Poesia
O crítico chama a atenção, também, para o desaparecimento da discussão sobre poesia. Mas isso não estaria acontecendo também porque a poesia brasileira se retraiu? "De maneira nenhuma", diz. "Basta olhar a quantidade de revistas de poetas jovens que são publicadas, e o lançamento de coleções dedicadas somente ao tema", completa o professor.
Então por que a poesia não repercute como antes? "Porque não existe mais debate sobre a produção dos poetas. Antes, havia a briga de grupos, entre os concretistas e a USP. Agora, não há mais nada. Os grupos jovens produzem, mas não recebem crítica, não têm retorno. Recebem menos retorno do que quem faz prosa."
Arrigucci acha bom que esteja havendo uma reação quase que em conjunto de autores novos da América Latina no sentido de romper com os seus antecessores e com os rótulos usados para definir o que se produzia por aqui de modo simplista. "É natural que hoje se faça esse movimento, e é bom que eles tomem essa direção", diz.


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