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Parlapatões fazem tour em "símbolos" de SP
Companhia teatral cria comédia ao visitar pontos preferidos da elite paulistana
Daslu e rua Amauri estão entre os locais escolhidos por trupe para ironizar a cidade; igreja pentecostal também está na rota
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
No início do passeio, um
workshop para sacoleiras é ministrado por um muambeiro
paraguaio diante da Daslu.
No final do trajeto, uma sessão de descarrego arranca a
carteira de um fiel possuído
diante da igreja Deus é Amor.
Esse manual de sobrevivência na selva faz parte do city-tour teatral "O Pior de São Paulo", misto de excursão e intervenção política do grupo teatral
Parlapatões.
Como a cidade tem horrores
em abundância, a excursão masoquista prioriza os produzidos
pela elite paulistana. Além da
lúgubre Daslu, a trupe visita
uma loja de carros blindados na
avenida Nove de Julho, com
uma lataria coberta por tiros
exposta na vitrine.
Na rua Amauri, endereço de
restaurantes caros na Cidade
Jardim, o ator Raul Barreto ensina a fazer "churrasquinho de
gato" e "como matar um ganso
sem dor" para fazer o foie gras
popular na redondeza.
A maior subversão do passeio
é levar um grupo de 50 pessoas,
vestindo colares havaianos, a
zonas fortificadas da cidade,
como no circuito Itaim-Vila
Olímpia, deserto em pleno domingo à tarde. O exército de seguranças da região, praticamente os únicos pedestres, fica
desconcertado com o que vê.
Borba Gato e Marta
No sábado, a estátua de Borba Gato, "a oitava maravilha do
mundo", foi abraçada, e houve
uma performance diante da casa da ex-prefeita e atual ministra do Turismo, Marta Suplicy.
"Queríamos explicar que primeiro se goza, depois se relaxa", diz o guia turístico interpretado por Hugo Possolo, criador dos Parlapatões.
Pelas janelas do ônibus, Possolo aponta os escombros do
Parque do Povo, o Minhocão, a
antiga Dacon, na Faria Lima.
A inspiração do projeto vem
de Leo Bassi, comediante italiano radicado na Espanha, que
criou "O Pior de Madri". Nele,
levou atores vestidos de talebans para protestar diante da
casa do ex-premiê José María
Aznar, que apoiou a invasão do
Iraque. E 300 pessoas foram ao
Vale dos Caídos, onde está enterrado o ditador Francisco
Franco, para "fazer com sua estátua o mesmo que os americanos fizeram com Saddam".
Com a experiência de ter levado arte e animação à feiúra
da praça Roosevelt, os Parlapatões paulistanizaram o desafio.
Política à frente
Se sobra subversão na proposta, em um país que anda enferrujado na arte de protestar,
falta texto e recheio à altura da
empreitada.
Fora os workshops de sobrevivência paulistana, o passeio
no interior do ônibus revela a
inexperiência dos Parlapatões
com o negócio turístico.
Tanto shoppings quanto edifícios "de luxo" da avenida Cidade Jardim, com seu pastiche
de colunas greco-romanas e
mansardas parisienses, são
poupados pelo guia.
Dentro do ônibus, o ótimo
comediante e palhaço que é
Possolo tem de virar acrobata
para que os minutos no veículo
não se tornem eternos. As piadas do roteiro não ajudam.
No início do passeio, Possolo
explica que "São Paulo é filho
de Santo Amaro com Santa Ifigênia" e que Caetano compôs
Sampa "porque é de Santo
Amaro".
Ao passar pelo Itaim, Possolo
canta um jingle sobre os "publiciotários", trocadilho da época
em que publicitários ainda usavam gravatas do Mickey e posavam de rebeldes.
Um vendedor de pastilhas
adentra o ônibus e diz que não
estudou "porque inteligência
não dá dinheiro, veja os usineiros, o Congresso, o presidente".
Indignação à la Hebe Camargo.
"O Pior de São Paulo" é mais
subversivo ao fazer -não ao falar de- política.
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