São Paulo, terça-feira, 17 de julho de 2007

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Parlapatões fazem tour em "símbolos" de SP

Companhia teatral cria comédia ao visitar pontos preferidos da elite paulistana

Daslu e rua Amauri estão entre os locais escolhidos por trupe para ironizar a cidade; igreja pentecostal também está na rota

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

No início do passeio, um workshop para sacoleiras é ministrado por um muambeiro paraguaio diante da Daslu.
No final do trajeto, uma sessão de descarrego arranca a carteira de um fiel possuído diante da igreja Deus é Amor.
Esse manual de sobrevivência na selva faz parte do city-tour teatral "O Pior de São Paulo", misto de excursão e intervenção política do grupo teatral Parlapatões.
Como a cidade tem horrores em abundância, a excursão masoquista prioriza os produzidos pela elite paulistana. Além da lúgubre Daslu, a trupe visita uma loja de carros blindados na avenida Nove de Julho, com uma lataria coberta por tiros exposta na vitrine.
Na rua Amauri, endereço de restaurantes caros na Cidade Jardim, o ator Raul Barreto ensina a fazer "churrasquinho de gato" e "como matar um ganso sem dor" para fazer o foie gras popular na redondeza.
A maior subversão do passeio é levar um grupo de 50 pessoas, vestindo colares havaianos, a zonas fortificadas da cidade, como no circuito Itaim-Vila Olímpia, deserto em pleno domingo à tarde. O exército de seguranças da região, praticamente os únicos pedestres, fica desconcertado com o que vê.

Borba Gato e Marta
No sábado, a estátua de Borba Gato, "a oitava maravilha do mundo", foi abraçada, e houve uma performance diante da casa da ex-prefeita e atual ministra do Turismo, Marta Suplicy. "Queríamos explicar que primeiro se goza, depois se relaxa", diz o guia turístico interpretado por Hugo Possolo, criador dos Parlapatões.
Pelas janelas do ônibus, Possolo aponta os escombros do Parque do Povo, o Minhocão, a antiga Dacon, na Faria Lima.
A inspiração do projeto vem de Leo Bassi, comediante italiano radicado na Espanha, que criou "O Pior de Madri". Nele, levou atores vestidos de talebans para protestar diante da casa do ex-premiê José María Aznar, que apoiou a invasão do Iraque. E 300 pessoas foram ao Vale dos Caídos, onde está enterrado o ditador Francisco Franco, para "fazer com sua estátua o mesmo que os americanos fizeram com Saddam".
Com a experiência de ter levado arte e animação à feiúra da praça Roosevelt, os Parlapatões paulistanizaram o desafio.

Política à frente
Se sobra subversão na proposta, em um país que anda enferrujado na arte de protestar, falta texto e recheio à altura da empreitada.
Fora os workshops de sobrevivência paulistana, o passeio no interior do ônibus revela a inexperiência dos Parlapatões com o negócio turístico.
Tanto shoppings quanto edifícios "de luxo" da avenida Cidade Jardim, com seu pastiche de colunas greco-romanas e mansardas parisienses, são poupados pelo guia.
Dentro do ônibus, o ótimo comediante e palhaço que é Possolo tem de virar acrobata para que os minutos no veículo não se tornem eternos. As piadas do roteiro não ajudam.
No início do passeio, Possolo explica que "São Paulo é filho de Santo Amaro com Santa Ifigênia" e que Caetano compôs Sampa "porque é de Santo Amaro".
Ao passar pelo Itaim, Possolo canta um jingle sobre os "publiciotários", trocadilho da época em que publicitários ainda usavam gravatas do Mickey e posavam de rebeldes.
Um vendedor de pastilhas adentra o ônibus e diz que não estudou "porque inteligência não dá dinheiro, veja os usineiros, o Congresso, o presidente". Indignação à la Hebe Camargo. "O Pior de São Paulo" é mais subversivo ao fazer -não ao falar de- política.


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