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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Chris von Ameln/Folha Imagem
Laura Bacellar organizou um sarau para mulheres e dele surgiu o grupo Umas e Outras


No fim do arco-íris, um pote de ouro

Em 1982, o escritor João Silvério Trevisan, autor de livros celebrados como "Devassos no Paraíso" e "Ana em Veneza", ajudou a organizar uma passeata em São Paulo para protestar contra um delegado que prendia travestis. Caminhou pela avenida Vieira de Carvalho com 500 pessoas -e presenciou moradores de prédios jogando dejetos sobre elas.
 
Duas décadas depois, Trevisan é um dos que se espantam (positivamente) ao assistir à Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). "Hoje, um milhão recebem chuva de papel picado", diz. Em junho, o evento reuniu 800 mil pessoas na avenida Paulista -tornando-se a terceira parada gay do mundo, atrás da de San Francisco (EUA) e Toronto (Canadá). "Eu não esperava que, no ritmo em que as coisas andam no Brasil, tudo acontecesse tão rapidamente."
 
Foram 21 trios elétricos desfilando na avenida, numa parada que custou R$ 650 mil e teve parte de seus custos coberta pelos patrocínios da Volkswagen, da agência AlmapBBDO, além de um trio oficial da prefeitura. Com o sucesso do evento, os seis atuais dirigentes da Associação do Orgulho GLBT, que organiza a parada, começaram a ser assediados como nunca. E estão cheios de planos. Querem criar grupos gays dentro do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e dos movimentos de sem-teto.

Procurados pela pastoral carcerária, ligada à igreja, vão trabalhar em presídios com gays condenados; estão negociando com a Gidal, revendedora de celulares BCP, um plano corporativo para que seus associados usem aparelhos com desconto; estão em contato com representantes do HSBC para obter vantagens para o público gay; e pretendem procurar o BankBoston para que a instituição financie uma sede para a associação. Renato Baldin, 26, que estuda arquitetura na FAU-USP e é diretor cultural da associação, está à frente das negociações.
 
A associação vive da contribuição de 300 associados -arrecada algo como R$ 30 mil por ano- e funciona numa pequena sala de um prédio da pça. da República, emprestada pela ONG Ação da Cidadania. Pretende contratar uma empresa que capte patrocínio por meio de leis de incentivo à cultura -para os patrocínios da parada, a associação já conseguiu obter incentivos fiscais.

A explosão da web é considerada um marco por muitos militantes. "A mobilização é imediata", diz a tradutora Míriam Martinho, 49, diretora da ONG Rede Um Outro Olhar. Míriam está organizando uma comemoração do Dia Nacional do Orgulho Lésbico, na próxima terça, 19. Na data, há 20 anos, ocorreu a primeira manifestação lésbica no Brasil, contra os donos do Ferro's Bar, ponto de encontro de lésbicas. Eles não queriam que militantes vendessem ali seu boletim.
 
A editora Laura Bacellar, 42, organiza saraus para lésbicas e acredita que a internet foi fundamental para expandir o evento, que reúne em torno de 80 pessoas. Trevisan julga que a disposição da mídia de divulgar as paradas deu o impulso mais importante ao movimento -que nasceu nos anos 70, arrefeceu nos 80, com o surgimento da Aids, e explodiu nos 90. Tanto sucesso já causa divisão: Beto de Jesus, um dos organizadores das paradas, se afastou do movimento. Os atuais dirigentes o acusam de trabalhar em causa própria -ele foi candidato (derrotado) a deputado pelo PT em 2002. "Houve briga, sim. Mas é tudo ciumeira", diz Beto.

O poder de fogo do grupo é grande. O patrocínio de R$ 300 mil da Volkswagen e da Almap, exclusivo para a parada, foi arrancado na marra: irritados com um anúncio da montadora, feito pela Almap, que mostrava um gay, dirigentes da parada ameaçaram fazer piquete na fábrica. "No dia seguinte, Volks e Almap baixaram aqui", afirma Nelson Pereira, 37, presidente da associação. Como forma de "retratação", eles pediram R$ 800 mil para a parada. Levaram R$ 300 mil. As empresas não comentam.
 
Lula Ramirez, do grupo Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor), organizou o beijaço no shopping Frei Caneca, protesto por um segurança ter repreendido um casal gay que se beijava. O Corsa, que existe há oito anos e funciona numa sala no Tatuapé, tem 60 associados, é um grupo de discussão, e não de militância. Ainda assim, foi fácil organizar o protesto. Bastou enviar mensagens pela internet.

TRANSGÊNEROS

Gays versus gays

Segunda-feira, dia 11, 21h: Priscila Prado, Pamella Anderson, Ilana Pavão e outras 13 "meninas", como travestis se referem umas às outras, se reúnem num prédio na Praça da República. Na pauta, a discriminação que sofrem, da polícia, da imprensa -e dos próprios gays.
 
Elas têm sido barradas em casas noturnas GLS, que cobram R$ 5 de homens e R$ 50 de travestis. Pamella é a mais indignada: quer reunir um grupo e ficar na fila numa das casas. No que a bilheteria apresentar a sobretaxa, surpresa! Elas chamam o advogado. A coordenadoria de transgêneros de SP foi criada há cinco meses, pela Associação do Orgulho GLBT, e é liderada por Priscila Prado, 33, que faz teatro. Ela já se reuniu com o comando da PM para reclamar de agressões e prepara uma manifestação em frente à prefeitura. Mas não tem sido fácil mobilizar as "meninas". Uma das idéias é distribuir panfletos em prédios em que só vivem travestis, divulgando, por exemplo, que a coordenadoria dá assistência jurídica para quem quer alterar o nome no RG.

Manual de etiqueta

Há duas décadas, o grande charme no mundo gay era referir-se a si mesmo, ou ao outro, como "entendido" -"senha" que designava aqueles que namoravam pessoas do mesmo sexo. Hoje, a expressão é considerada de uma cafonice sem tamanho. E, então, como se comportar para, não sendo gay, mas convivendo com centenas deles, não dar aquele baita fora?
 
É fogo. "Etiqueta é uma coisa baseada em práticas sociais consensuais. Como a "saída do armário" está acontecendo agora, ainda não houve tempo de elaborar um manual", diz a cantora Vange Leonel, que assina a coluna GLS da Revista da Folha. Mas ela dá dicas de vocabulário:
 
Casamento gay - Errado. Há uma conotação religiosa no termo. O correto é dizer "união" ou "parceria" gay. Opção sexual - Errado. Não se trata de escolha. Melhor dizer "orientação sexual". Namorado/Namorada -°Ótimo. É uma expressão mais próxima, informal, e que indica o frescor do relacionamento. "Esposa/Marido" soa careta; "Parceiro/a" é adequado para ocasiões formais; "Companheiro/a" dá, diz Vange, "aquela impressão de "68 foi uma barra'"; "caso", nem pensar. Lésbica - É o termo preferido dos ativistas. Mas sofre resistências. Outra opção é "bolacha", muito usada pelos "clubbers", e "lés", que apareceu recentemente no vocabulário. Para os homens, o caso já está resolvido: gay (que elas também às vezes adotam) é palavra de aceitação universal.


@ - bergamo@folhasp.com.br

COM JOÃO LUIZ VIEIRA, ALVARO LEME E CLEO GUIMARÃES



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