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33º FESTIVAL DE GRAMADO
"Carreiras", primeiro longa da disputa de ficção, lança bandeira por novo modo de produção
Oliveira critica a "cultura do patrocínio"
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A GRAMADO
Homem de teatro e de cinema, Domingos Oliveira fez da abertura do 33º Festival de Gramado palco de uma causa.
BOAA é o nome da coisa. Surgiu
nos letreiros iniciais de "Carreiras", longa com que Oliveira inaugurou a disputa entre filmes de
ficção, na noite da última segunda-feira.
O rótulo quer dizer Baixo Orçamento e Alto Astral e é envelope
bem-humorado para:
1) a proposta de um modo de
produção para o cinema brasileiro que emula os velhos tempos
das associações teatrais;
2) a crítica à atual cultura do patrocínio e à moda de filmes de alto
orçamento.
Com o gesto, Oliveira se contrapõe, de saída, a pelo menos um de
seus concorrentes. "Gaijin - Ama-me como Sou", de Tizuka Yamasaki, atração desta noite, é superprodução cujo orçamento ultrapassa os R$ 10 milhões.
"Patrocínio é ótimo. Mas, se não
tiver patrocínio, é preciso filmar
também", disse Oliveira, ao apresentar seu filme e erguer o que
chamou de "bandeira" à platéia
do Palácio dos Festivais.
"Carreiras" também se auto-apresenta. Os letreiros do filme,
além de esclarecer o significado
da sigla BOAA, indicam que ele
foi feito em oito dias, no formato
digital, com R$ 35 mil, financiados por meio de associação dos
profissionais que nele trabalharam, "como sempre fizemos no
teatro", disse Oliveira ao vivo.
O custo do longa "é de cinco a
dez vezes menor do que a maioria
dos filmes brasileiros", afirma o
texto, para concluir que "Carreiras" "representa a verdadeira democratização do cinema brasileiro, uma vez que encontre seu lugar no mercado". A ressalva sobre
o destino comercial da produção
não é insignificante. Sem público,
não há investimento, alto ou baixo, que se recupere.
Solo
Homem da indústria do entretenimento, Oliveira foi o primeiro
a lembrar que, "para o público,
não interessa como o filme foi feito, interessa como ele é".
"Carreiras" é praticamente um
solo da atriz Priscilla Rozembaum, que obriga as demais concorrentes ao troféu Kikito da categoria a um desempenho digno
das disputas elevadas. Rozembaum vive a jornalista Ana Laura,
experiente âncora de TV. Na casa
dos 40 anos, ela se vê escanteada
por uma profissional mais jovem.
Tudo no ambiente de trabalho
de Ana Laura parece familiar ao
espectador de TV brasileiro. Ela
trabalha para uma rede nacional,
também proprietária de um canal
de notícias a cabo. Queixa-se de
apresentadoras "de rosto angelical e mandíbulas de sangue", de
seus casamentos com os colegas
de bancada, também editores dos
jornais que ancoram.
Questiona as razões por que ela
mesma é complacente com as investidas sexuais dos chefes. E consome-se com os efeitos das brigas
internas de poder na emissora,
travadas pelos auxiliares diretos
de um certo Dr. Bulhões, proprietário da cadeia, habituado a raras
aparições em carne e osso diante
de seus subordinados.
Por mais que lhe soe anacrônico, Ana Laura está revoltada com
"o sistema". Quer combatê-lo por
dentro, escancarar suas mazelas.
Quer mesmo ou quer apenas acomodar-se mais confortavelmente
dentro dele? É a questão que Oliveira reserva a Ana Laura, na reviravolta dramática do roteiro de
"Carreiras".
O filme "é um comentário sobre
a mulher moderna no ambiente
de trabalho" e uma reflexão sobre
"a distância entre a vontade e o
desejo", diz o cineasta. Comentário mordaz.
A jornalista Silvana Arantes viaja a convite da organização do festival
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