São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2006

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"O "Dragão" te dá um soco na cara"

Martin Scorsese diz que filmes de Glauber podem ajudar jovens atores a não se renderem à indústria hollywoodiana

Diretor de "O Aviador" diz que cineasta brasileiro é eterno e que a energia de seus filmes deve sobreviver às mudanças no cinema


ESPECIAL PARA A FOLHA

Leia a seguir a continuação do depoimento do cineasta americano Martin Scorsese.
(JOEL PIZZINI)

 
RESTAURAÇÃO
Os filmes de Glauber Rocha afetaram politicamente outros filmes. Ele é eterno. Por isso é necessária a restauração de sua obra, para permitir que as novas gerações o conheçam, não somente no Brasil, mas em todo o mundo.
O "Dragão" continua novo, com todo o frescor. Ele não leva a grandes bilheterias, mas te dá um soco na cara, você vê, ergue-se e abre seus olhos. É disso que precisamos hoje em dia, mais do que nunca.

PRISÃO
Entre os motivos que me levaram a mostrar o "Dragão" aos atores e diretores de fotografia com quem trabalhei ao longo dos anos, está o de saber que o filme pode nos libertar de um tipo de prisão imposto pelo "star system".
Hoje há vários jovens atores maravilhosos que são destruídos pelo sistema. Eles surgem de filmes independentes, nos quais têm performances maravilhosas. Aí são colocados em um grande filme de Hollywood sobre um personagem de quadrinhos. O filme vai mal, e eles acabam ficando sem trabalho por alguns anos.
Ao final, o ator acaba aceitando esse estado de coisas. E isso se transforma numa espécie de monstro que vai corroendo a indústria. Um cinema como o de Glauber precisa ser mostrado aos atores que tenham o desejo de fazer algo mais do que se tornar parte desse sistema.

NEO-NEO-REALISMO
Quando tinha cinco anos, vi filmes neo-realistas que ficaram comigo por anos, e eu acho que é bom devolver isso aos jovens. Eu adoraria vê-los assistindo a esses filmes em DVD. É melhor do que nada, porque durante anos você não conseguia vê-los nem nos cinemas.
Essa é uma das razões pelas quais produzi cópias dos filmes de Glauber para mostrá-los em festivais como o de Nova York.
Vê-los na tela grande -devo dizer, eles são poderosos na tela na grande-, ou mesmo na televisão ou até em DVD, vale muitíssimo a pena.
A energia dos filmes de Glauber e sua beleza descompromissada devem sobreviver a esses novos meios. Muito da história do cinema eu aprendi através da televisão, daquela televisão em preto-e-branco e com intervalos comerciais, na qual passavam tanto filmes hollywoodianos, como britânicos e italianos.

POESIA E POLÍTICA
Sou uma pessoa que veio de um tipo de classe operária apolítica. Meu pai era um funcionário da Secretaria de Jardins de Nova York, por volta dos anos 30 e 40. Era um cenário muito conservador.
No início dos anos 60, comecei a tomar consciência das diferentes formas de pensar que existiam e do pensamento político. Tinha provavelmente 16 ou 18 anos. De certa forma, sempre respondi à poesia e creio que, sobretudo, a partir dos filmes de Glauber.
A poesia de seus filmes é eterna. É sobre o ser, sobre a humanidade, não apenas sobre um sistema político ou contra um sistema político. Ela vai além disso e, portanto, sempre será algo novo. Penso que os jovens de hoje poderiam se beneficiar ao ver esses filmes.


NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista de Martin Scorsese
www.folha.com.br/062271



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