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Comida
Era uma coisa, virou outra
Com o mesmo nome, mas ingredientes diferentes, receitas clássicas e pratos consagrados ganham versões
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
O nome continua o mesmo,
mas os ingredientes... O que era
doce ganha uma versão salgada,
e vice-versa, o chocolate dá lugar ao doce de leite, o prato antes feito de carne hoje tem variantes com frutas ou peixes.
Bem-sucedidas ou não, versões de receitas clássicas e de
pratos consagrados multiplicam-se nos cardápios paulistanos. Alguns mantêm, além dos
nomes originais, a técnica de
preparo e/ou o formato.
Da seção de sobremesas, o
crème brûlée pulou para a de
entradas no cardápio do
D.O.M. Isso porque, no lugar
dos ovos, leite e açúcar, a receita criada pelo chef Alex Atala
leva foie gras e milho-verde.
"É uma variação da idéia do
prato. Este não leva ovo. A coagulação se dá só por conta do
amido [do milho]. Então não é
o mesmo princípio do crème
brûlée, mas é uma vertente",
diz Atala. "[Nasceu] de uma
brincadeira. Eu estava fazendo
muitas experiências com milho-verde, principalmente com
curau, que sempre gostei muito. Na verdade, peguei uma receita simples, bem brasileira, e
somei foie gras."
O manjado (e, por vezes, mal
executado) petit gâteau de chocolate adquiriu personalidade
nas mãos de Carla Pernambuco
e Carolina Brandão. As chefs do
Carlota criaram uma versão do
bolinho substituindo o chocolate por doce de leite.
"A grande graça está em pensar em alternativas para fazer
algo com a sua cara", diz Pernambuco. "Fomos numa trilha
para achar um ingrediente brasileiro e caseiro e transformá-lo numa sobremesa quente."
Pratos servidos em cafés e
bares também passam por
adaptações. No Shouk, o muffin
-bolinho inglês de massa doce- tem também variantes salgadas, entre elas uma com espinafre, curry e tomilho. No Astor, o croque-monsieur -tradicional sanduíche francês recheado com presunto e queijo,
passado no ovo e salteado na
manteiga- tem uma versão feita com mortadela.
Um dos principais alvos das
tais adaptações culinárias nos
últimos tempos é o carpaccio.
Criado em 1950 no Harry's Bar,
em Veneza, o prato era elaborado com fatias finíssimas de filé
mignon cru, regadas com um
molho à base de maionese, em
homenagem ao pintor Vittore
Carpaccio, que usava vermelho
e branco em suas obras.
Hoje, carpaccio virou sinônimo de qualquer alimento cortado em fatias finas, independentemente da cor, e é presença certa nos bufês de pratos
frios: há "carpaccio" de frutas,
de peixes, de legumes...
"É um nome que fere o conceito original. Acho que deveria
usar outro nome, não carpaccio", diz Alessandro Nicola, 37,
professor de gastronomia do
Centro Universitário Senac.
"Sou a favor da criação, mas a
criação tem que ser feita de forma consciente. É preciso respeitar conceitos básicos."
Mas qual o limite entre o
aceitável e o inaceitável?
"[As adaptações] são ótimas,
desde que haja respeito. Quando se faz comida, inventar pode
ser perigoso. É quase como
compor uma música. Para
compor, você tem que conhecer bem os fundamentos da
música", diz Atala. "O mundo é
ávido por inovação. E o que é
inovação para nós, cozinheiros? É a criatividade sim, mas
com utilidade."
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