São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2006

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Comida

Era uma coisa, virou outra

Com o mesmo nome, mas ingredientes diferentes, receitas clássicas e pratos consagrados ganham versões

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome continua o mesmo, mas os ingredientes... O que era doce ganha uma versão salgada, e vice-versa, o chocolate dá lugar ao doce de leite, o prato antes feito de carne hoje tem variantes com frutas ou peixes.
Bem-sucedidas ou não, versões de receitas clássicas e de pratos consagrados multiplicam-se nos cardápios paulistanos. Alguns mantêm, além dos nomes originais, a técnica de preparo e/ou o formato.
Da seção de sobremesas, o crème brûlée pulou para a de entradas no cardápio do D.O.M. Isso porque, no lugar dos ovos, leite e açúcar, a receita criada pelo chef Alex Atala leva foie gras e milho-verde.
"É uma variação da idéia do prato. Este não leva ovo. A coagulação se dá só por conta do amido [do milho]. Então não é o mesmo princípio do crème brûlée, mas é uma vertente", diz Atala. "[Nasceu] de uma brincadeira. Eu estava fazendo muitas experiências com milho-verde, principalmente com curau, que sempre gostei muito. Na verdade, peguei uma receita simples, bem brasileira, e somei foie gras."
O manjado (e, por vezes, mal executado) petit gâteau de chocolate adquiriu personalidade nas mãos de Carla Pernambuco e Carolina Brandão. As chefs do Carlota criaram uma versão do bolinho substituindo o chocolate por doce de leite.
"A grande graça está em pensar em alternativas para fazer algo com a sua cara", diz Pernambuco. "Fomos numa trilha para achar um ingrediente brasileiro e caseiro e transformá-lo numa sobremesa quente."
Pratos servidos em cafés e bares também passam por adaptações. No Shouk, o muffin -bolinho inglês de massa doce- tem também variantes salgadas, entre elas uma com espinafre, curry e tomilho. No Astor, o croque-monsieur -tradicional sanduíche francês recheado com presunto e queijo, passado no ovo e salteado na manteiga- tem uma versão feita com mortadela.
Um dos principais alvos das tais adaptações culinárias nos últimos tempos é o carpaccio. Criado em 1950 no Harry's Bar, em Veneza, o prato era elaborado com fatias finíssimas de filé mignon cru, regadas com um molho à base de maionese, em homenagem ao pintor Vittore Carpaccio, que usava vermelho e branco em suas obras.
Hoje, carpaccio virou sinônimo de qualquer alimento cortado em fatias finas, independentemente da cor, e é presença certa nos bufês de pratos frios: há "carpaccio" de frutas, de peixes, de legumes...
"É um nome que fere o conceito original. Acho que deveria usar outro nome, não carpaccio", diz Alessandro Nicola, 37, professor de gastronomia do Centro Universitário Senac. "Sou a favor da criação, mas a criação tem que ser feita de forma consciente. É preciso respeitar conceitos básicos."
Mas qual o limite entre o aceitável e o inaceitável?
"[As adaptações] são ótimas, desde que haja respeito. Quando se faz comida, inventar pode ser perigoso. É quase como compor uma música. Para compor, você tem que conhecer bem os fundamentos da música", diz Atala. "O mundo é ávido por inovação. E o que é inovação para nós, cozinheiros? É a criatividade sim, mas com utilidade."


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