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MÔNICA BERGAMO
bergamo@folhasp.com.br
O festival e o trapalhão
Com a audiência de seus filmes em queda, Renato Aragão vai às lágrimas em Gramado, diz que já fez dois filmes por ano e que hoje "mal dá pra fazer um"
Edison Vara/PressPhoto
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Carolina, 9 anos, prendeu os
cabelos loiros com presilha em
forma de uma grande flor cor-de-rosa. Também pediu à mãe
para usar o par de botas da mesma cor, reservado para ocasiões
especiais. Às três e meia da tarde do último domingo, ela se
equilibrava na ponta da botinha para enxergar o ídolo, Renato Aragão, 73. Dentro de uma
sala, ele dava entrevista coletiva no 36º Festival de Cinema de
Gramado, que começou no dia
10 e terminou ontem. "Tu acha
que ele vai me dar autógrafo,
moça?", pergunta Carol à repórter. E de que filme do trapalhão Didi ela mais gosta? "Eu
não vi nenhum filme dele, só as
coisas que passam na TV."
Do lado de dentro, Didi, homenageado do festival como o
homem com mais público na
história do cinema nacional, reclama justamente da dificuldade em levar espectadores às salas para ver os filmes brasileiros. "Só o que o "Kung Fu Panda" [desenho da DreamWorks]
gastou no lançamento, eu gastei pra fazer um filme todo", lamenta. A própria fã Carol só foi
ao cinema nas férias para ver o
desenho americano. "Eu nem
sabia que tinha do Didi, moça."
Tem filme do Didi em cartaz
sim, mas, como Carol, pouca
gente devia saber: "O Guerreiro
Didi e a Ninja Lili" fez 245 mil
espectadores -bem distante
dos números que levaram outros filmes do trapalhão ao ranking dos recordistas nacionais,
como os cerca de 5 milhões de
espectadores de "Os Saltimbancos Trapalhões" (1981), "Os
Trapalhões na Serra Pelada"
(1982) e "Cinderelo Trapalhão"
(1979). Mesmo assim, Renato
Aragão não se diz ressentido:
"Cinema tá aqui ó", diz, mostrando uma veia do braço.
Cercado por três seguranças
e dezenas de câmeras digitais
dos fãs, ele deixou a entrevista
rumo ao hotel para trocar de
roupa. Vestia calça jeans Levi's,
com a carteira marrom de couro quase caindo do bolso de
trás, tênis Nike e camisa cinza,
com mangas um tanto dobradas. A caminho do terno e da
gravata, ele falou à coluna:
FOLHA - Falta oferta de filmes nacionais para o público infantil?
RENATO ARAGÃO - Falta, falta.
Antigamente eu até fazia dois
filmes por ano, mas hoje em dia
mal dá pra fazer um.
FOLHA - Não é ruim para a criança
ter só filme americano como opção?
ARAGÃO - O que eu vejo é que o
americano empurra os seus
costumes. É beisebol, é não sei
o quê... Nossa identidade vem
sendo atropelada. Eu sempre
levo uma identidade brasileira
nos meus filmes, sem tom educativo. Mesmo assim, eles nos
massacram. Ainda mais porque
são uma potência de dinheiro:
devem ter gasto R$ 3 milhões
pra divulgar o "Kung Fu Panda", eu gasto isso pra tudo!
FOLHA - O senhor fez 47 filmes, um
recorde para brasileiros. Por que não
se produz mais no país?
ARAGÃO - Olha, eu não tenho
muita esperança, por exemplo,
de que o governo faça isso mudar. A gente é que tem que ter
criatividade. Rapaz, você pode
exibir o que quiser hoje em dia!
Mas os americanos... isso é desleal. É caso pra Procon! [risos]
À noite, lá está ele ao lado de
Lívian e Lilian, filha e mulher,
para a abertura do Festival de
Gramado. Lívian e ele cantam o
hino nacional de mãos dadas.
Assistem a um concerto e a menina, meia de lã branca, sapatilha e vestido branco com paetêzinhos bordados, cai na risada
quando a orquestra executa
"Like a Virgin", de Madonna.
Ao lado da família Aragão, o
velho e bom drama da área VIP.
São 120 cadeiras de frente para
a orquestra -mas há muito
mais gente tentando entrar.
"Só sentam os convidados de
cinema e as autoridades. Assim,
ó: se fizer parte de algum filme,
entra. Se quiser só ver, não", dizia uma assessora aos seguranças. Aperta aqui, estica ali, a
multidão se espreme na grade
para ver a abertura.
"Ah, todos os filmes que eu
gosto são do meu pai", diz Lívian, já sentadinha na platéia
do Palácio dos Festivais. "Mas,
olha, um filme que eu vi nas férias e gostei foi "Viagem ao Centro da Terra" e "Ilha da Imaginação'", conta. E o "Kung Fu Panda"? "Esse eu não vi, não." "Ela
é apaixonada pelo pai. Mãe, ela
nem lembra que tem", diz Lilian. A filha aperta o braço do
pai, vira o rosto e volta rindo
para beijar a mãe.
No palco, Renato Aragão recebe o kikito e dedica o prêmio
a Lilian. Na platéia, mulher e filha choram. Quando a apresentadora do festival revela "mais
uma surpresa a Didi" -um
computador de última geração
- ele faz menção de não aceitar, fazendo careta. "Ele nem
sabe o que é isso", diz Lilian, enxugando as lágrimas.
Chega a vez de Leandra Leal
apresentar "Nome Próprio",
protagonizado por ela e inspirado na obra de Clarah Aver
buck. "É a primeira vez que estou aqui consciente", diz a atriz.
Alguns "Hein?" e "Como assim?" surgem na platéia. "É que
eu já vim a Gramado na barriga
da minha mãe. Ela me liga toda
hora para perguntar como tá
aqui", explica. Clarah não diz
nada ao microfone -ela, inclusive, já cansou de explicar que
"Nome Próprio" não é um retrato de sua personalidade. E, lá
pela uma hora de filme, a escritora abandona a sessão.
Veterano, o diretor do clássico "Todas as Mulheres do Mundo", Domingos Oliveira, que
apresentou seu "Juventude" no
evento faz as contas de ter recebido 12 kikitos ao longo da carreira. "É melhor que [o festival
de] Brasília, que ainda é burramente conduzido." Para Oliveira, o problema da maioria dos
festivais, "não de Gramado", e
também da legislação de fomento ao cinema é um certo
"preconceito com os veteranos". "Eles tendem a premiar
os cineastas novos. O Brasil, em
geral, tem preconceito contra
velhos. Mas, veja, o cineasta só
não se repete no primeiro filme. Acho que eles temem a minha veteranice", diz e, em seguida, completa: "Sendo assim,
em vez de 70, eu digo que tenho
sete anos".
Frase
"Eles [estúdios de
cinema americanos]
nos massacram. Ainda
mais porque são uma
potência de dinheiro:
devem ter gasto R$ 3
milhões pra divulgar o
"Kung Fu Panda", eu
gasto isso pra tudo!"
RENATO ARAGÃO
Reportagem AUDREY FURLANETO
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