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Morte é "final de Romeu e Julieta"
Segundo a filha Nana, Caymmi piorou muito após sua mulher, Stella, entrar em coma, há dez dias
"Ele entrou num estado de melancolia e desistiu de tudo", disse a cantora; neta prepara obra sobre a relação entre o avô e a bossa nova
DA SUCURSAL DO RIO
"Passo a passo, passando,
passo." Segundo Danilo Caymmi, essa é uma das frases que o
pai escreveu nos últimos anos
num caderno. Para o caçula do
mestre baiano, ela traduz os
momentos finais de Dorival
Caymmi, morto ontem. O último ano de vida do compositor
foi em casa, opção tomada juntamente com os filhos.
"O que a gente fez foi dar o
melhor conforto para ele, um
tratamento leve. Ele morreu
serenamente, como todos desejavam", disse Danilo.
De acordo com Nana Caymmi, o pai estava bem até a última quarta-feira, tendo até cantado com ela. Depois, "a vela
apagou", disse a cantora.
Contribuiu decisivamente
para a queda o estado crítico da
mulher do compositor, nascida
Adelaide Tostes, mas conhecida como Stella Maris, nome
que adotou nos tempos de cantora de rádio -função que decidiu abandonar ao se casar com
Caymmi, em 1940. Aos 86 anos,
ela foi internada em 29 de abril,
véspera do 94º aniversário do
marido, no hospital Pró-Cardíaco, no Rio, e entrou em coma há dez dias.
"Ficamos tentando que ele
levantasse o moral, mas ele entrou num estado de melancolia
[nas últimas quinta e sexta-feira] e desistiu de tudo. É o final
da história de Romeu e Julieta
mesmo", emocionou-se a cantora, durante o velório, na Câmara dos Vereadores do Rio.
"Tenho tudo para me lembrar do meu pai, desde a música
e a poesia até os grandes conselhos", acrescentou Nana, elegendo "Acalanto" como a composição preferida do pai. "É a
canção que ele fez para mim.
Não sei nem se eu mereço. Vai
ser difícil cantar sem ele."
Para Danilo, viver tanto custou ao pai ver muitos amigos
morrerem, o que o entristecia
muito. "Tom, Ary Barroso, esses amigos tão queridos, Jorge
Amado, Zélia [Gattai], que foi
agora... Então, acredito que hoje [ontem], lá em cima, deve estar tendo muito acarajé, muito
chope e conhaque", disse ele,
também músico, no velório.
Esperando Dori
O caixão com o corpo de
Caymmi deixou o apartamento, em Copacabana, às 15h42, e
chegou à Câmara dos Vereadores às 16h20. O velório prosseguiu até as 22h e será reiniciado
às 7h de hoje. O enterro acontecerá hoje à tarde, no cemitério
São João Batista, em Botafogo
(zona sul do Rio). A decisão de
não sepultar o corpo ontem foi
tomada para que Dori Caymmi,
o filho do compositor que mora
nos EUA, pudesse chegar de
Los Angeles.
Amigos como a cantora Daniela Mercury e o novelista Gilberto Braga foram ao velório
ontem. "Acho que ele teve uma
vida muito plena, e não está
morrendo esquecido, está no
auge da glória", afirmou Braga,
dizendo ter escolhido "Sábado
em Copacabana" para a abertura da novela "Paraíso Tropical"
por saber do amor de Caymmi
pelo bairro carioca. "É o último
dos grandes compositores surgidos na década de 30 que está
indo. E essa década, para mim,
é o apogeu da música popular
brasileira", disse o autor.
Além de Nana, 67, Dori, 64, e
Danilo, 60, Dorival Caymmi
deixa sete netos e cinco bisnetos. A primeira das netas, Stella
Caymmi, 45, tornou-se a biógrafa dele, tendo lançado "Dorival Caymmi - O Mar e o Tempo", em 2001. Em setembro, a
autora lançará "Caymmi e a
Bossa Nova".
"Como avô, era uma pessoa
serena, simples, amiga, presente, amorosa, otimista. Tinha
amor pela vida, pelo país, pela
música. Privilegiou a convivência familiar, lidando com a carreira de uma forma muito natural, sem esse aspecto de celebridade", disse Stella.
"Como artista, é um dos
maiores do Brasil. Apesar de
Nelson Rodrigues ter dito que a
unanimidade é burra, há exceções, e uma grande é meu avô.
Sua obra é pequena, mas lapidada, criteriosa, e se incorporou à vida das pessoas. Integra
esse grupo de brasileiros que fizeram a música da qual a gente
se orgulha", completou a neta.
Outro neto, Gabriel, lembrou
que o acervo pessoal de Caymmi está em digitalização no Instituto Antonio Carlos Jobim.
O prefeito do Rio, Cesar
Maia, afirmou que "Caymmi
era o mais carioca de todos os
baianos" e anunciou que dará o
nome do compositor a uma rua
do Leblon, na zona sul.
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