São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Morte é "final de Romeu e Julieta"

Segundo a filha Nana, Caymmi piorou muito após sua mulher, Stella, entrar em coma, há dez dias

"Ele entrou num estado de melancolia e desistiu de tudo", disse a cantora; neta prepara obra sobre a relação entre o avô e a bossa nova


DA SUCURSAL DO RIO

"Passo a passo, passando, passo." Segundo Danilo Caymmi, essa é uma das frases que o pai escreveu nos últimos anos num caderno. Para o caçula do mestre baiano, ela traduz os momentos finais de Dorival Caymmi, morto ontem. O último ano de vida do compositor foi em casa, opção tomada juntamente com os filhos.
"O que a gente fez foi dar o melhor conforto para ele, um tratamento leve. Ele morreu serenamente, como todos desejavam", disse Danilo.
De acordo com Nana Caymmi, o pai estava bem até a última quarta-feira, tendo até cantado com ela. Depois, "a vela apagou", disse a cantora.
Contribuiu decisivamente para a queda o estado crítico da mulher do compositor, nascida Adelaide Tostes, mas conhecida como Stella Maris, nome que adotou nos tempos de cantora de rádio -função que decidiu abandonar ao se casar com Caymmi, em 1940. Aos 86 anos, ela foi internada em 29 de abril, véspera do 94º aniversário do marido, no hospital Pró-Cardíaco, no Rio, e entrou em coma há dez dias.
"Ficamos tentando que ele levantasse o moral, mas ele entrou num estado de melancolia [nas últimas quinta e sexta-feira] e desistiu de tudo. É o final da história de Romeu e Julieta mesmo", emocionou-se a cantora, durante o velório, na Câmara dos Vereadores do Rio.
"Tenho tudo para me lembrar do meu pai, desde a música e a poesia até os grandes conselhos", acrescentou Nana, elegendo "Acalanto" como a composição preferida do pai. "É a canção que ele fez para mim. Não sei nem se eu mereço. Vai ser difícil cantar sem ele."
Para Danilo, viver tanto custou ao pai ver muitos amigos morrerem, o que o entristecia muito. "Tom, Ary Barroso, esses amigos tão queridos, Jorge Amado, Zélia [Gattai], que foi agora... Então, acredito que hoje [ontem], lá em cima, deve estar tendo muito acarajé, muito chope e conhaque", disse ele, também músico, no velório.

Esperando Dori
O caixão com o corpo de Caymmi deixou o apartamento, em Copacabana, às 15h42, e chegou à Câmara dos Vereadores às 16h20. O velório prosseguiu até as 22h e será reiniciado às 7h de hoje. O enterro acontecerá hoje à tarde, no cemitério São João Batista, em Botafogo (zona sul do Rio). A decisão de não sepultar o corpo ontem foi tomada para que Dori Caymmi, o filho do compositor que mora nos EUA, pudesse chegar de Los Angeles.
Amigos como a cantora Daniela Mercury e o novelista Gilberto Braga foram ao velório ontem. "Acho que ele teve uma vida muito plena, e não está morrendo esquecido, está no auge da glória", afirmou Braga, dizendo ter escolhido "Sábado em Copacabana" para a abertura da novela "Paraíso Tropical" por saber do amor de Caymmi pelo bairro carioca. "É o último dos grandes compositores surgidos na década de 30 que está indo. E essa década, para mim, é o apogeu da música popular brasileira", disse o autor.
Além de Nana, 67, Dori, 64, e Danilo, 60, Dorival Caymmi deixa sete netos e cinco bisnetos. A primeira das netas, Stella Caymmi, 45, tornou-se a biógrafa dele, tendo lançado "Dorival Caymmi - O Mar e o Tempo", em 2001. Em setembro, a autora lançará "Caymmi e a Bossa Nova".
"Como avô, era uma pessoa serena, simples, amiga, presente, amorosa, otimista. Tinha amor pela vida, pelo país, pela música. Privilegiou a convivência familiar, lidando com a carreira de uma forma muito natural, sem esse aspecto de celebridade", disse Stella.
"Como artista, é um dos maiores do Brasil. Apesar de Nelson Rodrigues ter dito que a unanimidade é burra, há exceções, e uma grande é meu avô. Sua obra é pequena, mas lapidada, criteriosa, e se incorporou à vida das pessoas. Integra esse grupo de brasileiros que fizeram a música da qual a gente se orgulha", completou a neta. Outro neto, Gabriel, lembrou que o acervo pessoal de Caymmi está em digitalização no Instituto Antonio Carlos Jobim.
O prefeito do Rio, Cesar Maia, afirmou que "Caymmi era o mais carioca de todos os baianos" e anunciou que dará o nome do compositor a uma rua do Leblon, na zona sul.


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